domingo, 10 de novembro de 2013

Os 100 anos de “A la Recherche du Temps Perdu” ( “Em Busca do Tempo Perdido”) de Marcel Proust. ELSA CARAVANA GUELMAN Há 100 anos, em 13 de novembro de 1913, Marcel Proust lançava, depois de uma luta árdua em busca de uma editora, seu livro : “Du côté de chez Swann” (“O Caminho de Swann”). Nesse livro já estão cristalizados os principais fundamentos que nortearão a sua busca do tempo perdido. Sabe-se que ele escreveu, ao mesmo tempo, o primeiro capítulo do primeiro livro, “Combray”, e o último capítulo do último livro, “Matinée chez la princesse de Guermantes”, deixando um imenso espaço vazio para ir preenchendo com os acontecimentos posteriores que seriam trazidos pela constante busca do tempo perdido, pois toda a obra se identificava e se reproduzia em função do Tempo. Ele já tinha pronto, pois, o início de sua especulação, progressivamente revelada pela descoberta de suas recordações, de seu passado, que culminaria com suas reflexões filosóficas no último capítulo do “ Le Temps Retrouvé” (“OTempo Reencontrado”). No primeiro capítulo do primeiro livro, “Combray”, ele mostra sua infância dividida entre dois mundos, primeiramente o caminho de Méséglise e o caminho de Villebon (constante de seus rascunhos). O primeiro caminho, de Swann, o levaria para recantos inesquecíveis, coloridos pela exuberante paisagem, pelos espinheiros e pelo odor dos lilases; o segundo, que ganhou o nome definitivo de Guermantes com a publicação (em substituição a Villebon), com o qual pretendia simbolizar o passado histórico da França, o faria caminhar ao longo das margens do Vivonne, tendo como modelo as Nymphéas de Monet, que ali descreveu. Ele mostrará, igualmente, que esses dois mundos são intransponíveis, com uma demarcação absoluta, não se podendo, também, conhecer os dois lados num mesmo dia. Eles se constituíam em vasos fechados e sem comunicação entre si. Seria, pois, impossível uni-los e, no entanto, sozinhos eles não teriam a mesma importância, um precisaria do outro para existir. Há uma linha invisível entre eles, que os separa e permite que cada um exiba suas características próprias, as quais os tornam definidos e perfeitamente individualizados. O caminho de Swann representava a burguesia emergente e triunfante e o caminho de Guermantes simbolizava a aristocracia, que se julgava de origem divina, a nobreza, embora ela evidenciasse, já, os vestígios de sua decadência. O que ocorre é uma figuração poética de uma paisagem geográfica, com esses dois elementos diferentes, que adquire significado marcante no mundo da arte e constrói, assim, verdadeira metáfora. No último capítulo do último livro, “Le Temps Retrouvé”, “Matinée chez la princesse de Guermantes", o narrador, após ser introduzido no salão e tentar reconhecer nos presentes seus amigos do passado, no embate de suas reflexões de cunho filosófico e artístico, encontra Gilberte, que é filha de Swann e se casou com um Guermantes, Robert de Saint-Loup, e ela, apesar dos anos, ainda loquaz, resolve apresentar-lhe sua filha, Mademoiselle de Saint-Loup. Diante dele, a jovem, que trazia os traços culturais, a um só tempo, da burguesia e da nobreza, o conduziu aos dois grandes caminhos de seus passeios e de seus sonhos, por seu pai, o de Guermantes e, por sua mãe, o de Méséglise, fazendo-o compreender, finalmente, que os dois caminhos, outrora intransponíveis e incomunicáveis, eram agora um só, podendo-se ir a Guermantes passando pelo lado de Swann. O narrador não se cansava de olhar para ela, cuja beleza se formara nos anos que ele havia perdido: buscava recomeçar, então, a vida que se lhe esvaíra. Quando se fala, portanto, dos cem anos de “O Caminho de Swann”, onde Marcel Proust inicia sua Recherche, ou seja, sua procura, não se pode deixar de falar de “O Tempo Reencontrado”, onde tudo termina, porque um livro já estava dentro do outro, e um tempo já estava dentro do outro tempo, em perfeita sintonia, desde o primeiro dia da busca que levaria o narrador a reencontrar seu passado.

Os 100 anos de “A la Recherche du Temps Perdu” ( “Em Busca do Tempo Perdido”) de Marcel Proust. ELSA CARAVANA GUELMAN Há 100 anos, em 13 de novembro de 1913, Marcel Proust lançava, depois de uma luta árdua em busca de uma editora, seu livro : “Du côté de chez Swann” (“O Caminho de Swann”). Nesse livro já estão cristalizados os principais fundamentos que nortearão a sua busca do tempo perdido. Sabe-se que ele escreveu, ao mesmo tempo, o primeiro capítulo do primeiro livro, “Combray”, e o último capítulo do último livro, “Matinée chez la princesse de Guermantes”, deixando um imenso espaço vazio para ir preenchendo com os acontecimentos posteriores que seriam trazidos pela constante busca do tempo perdido, pois toda a obra se identificava e se reproduzia em função do Tempo. Ele já tinha pronto, pois, o início de sua especulação, progressivamente revelada pela descoberta de suas recordações, de seu passado, que culminaria com suas reflexões filosóficas no último capítulo do “ Le Temps Retrouvé” (“OTempo Reencontrado”). No primeiro capítulo do primeiro livro, “Combray”, ele mostra sua infância dividida entre dois mundos, primeiramente o caminho de Méséglise e o caminho de Villebon (constante de seus rascunhos). O primeiro caminho, de Swann, o levaria para recantos inesquecíveis, coloridos pela exuberante paisagem, pelos espinheiros e pelo odor dos lilases; o segundo, que ganhou o nome definitivo de Guermantes com a publicação (em substituição a Villebon), com o qual pretendia simbolizar o passado histórico da França, o faria caminhar ao longo das margens do Vivonne, tendo como modelo as Nymphéas de Monet, que ali descreveu. Ele mostrará, igualmente, que esses dois mundos são intransponíveis, com uma demarcação absoluta, não se podendo, também, conhecer os dois lados num mesmo dia. Eles se constituíam em vasos fechados e sem comunicação entre si. Seria, pois, impossível uni-los e, no entanto, sozinhos eles não teriam a mesma importância, um precisaria do outro para existir. Há uma linha invisível entre eles, que os separa e permite que cada um exiba suas características próprias, as quais os tornam definidos e perfeitamente individualizados. O caminho de Swann representava a burguesia emergente e triunfante e o caminho de Guermantes simbolizava a aristocracia, que se julgava de origem divina, a nobreza, embora ela evidenciasse, já, os vestígios de sua decadência. O que ocorre é uma figuração poética de uma paisagem geográfica, com esses dois elementos diferentes, que adquire significado marcante no mundo da arte e constrói, assim, verdadeira metáfora. No último capítulo do último livro, “Le Temps Retrouvé”, “Matinée chez la princesse de Guermantes", o narrador, após ser introduzido no salão e tentar reconhecer nos presentes seus amigos do passado, no embate de suas reflexões de cunho filosófico e artístico, encontra Gilberte, que é filha de Swann e se casou com um Guermantes, Robert de Saint-Loup, e ela, apesar dos anos, ainda loquaz, resolve apresentar-lhe sua filha, Mademoiselle de Saint-Loup. Diante dele, a jovem, que trazia os traços culturais, a um só tempo, da burguesia e da nobreza, o conduziu aos dois grandes caminhos de seus passeios e de seus sonhos, por seu pai, o de Guermantes e, por sua mãe, o de Méséglise, fazendo-o compreender, finalmente, que os dois caminhos, outrora intransponíveis e incomunicáveis, eram agora um só, podendo-se ir a Guermantes passando pelo lado de Swann. O narrador não se cansava de olhar para ela, cuja beleza se formara nos anos que ele havia perdido: buscava recomeçar, então, a vida que se lhe esvaíra. Quando se fala, portanto, dos cem anos de “O Caminho de Swann”, onde Marcel Proust inicia sua Recherche, ou seja, sua procura, não se pode deixar de falar de “O Tempo Reencontrado”, onde tudo termina, porque um livro já estava dentro do outro, e um tempo já estava dentro do outro tempo, em perfeita sintonia, desde o primeiro dia da busca que levaria o narrador a reencontrar seu passado.

Melusine: Marcel Proust - O CAPACHO dos Guermantes -

Melusine: Marcel Proust - O CAPACHO dos Guermantes -

sábado, 2 de novembro de 2013

Marcel Proust - O CAPACHO dos Guermantes -




Marcel Proust - Jacques Lacan - Jacques Rancière O MITO DO CAPACHO : O Caminho de Guermantes - de Elsa Caravana Guelman. Para o filósofo francês Jacques Rancière “A escrita muda, num primeiro sentido, é a palavra que as coisas mudas carregam elas mesmas. É a potência de significação inscrita em seus corpos, e que resume o “tudo fala”de Novalis. Tudo é rastro, vestígio ou fóssil. Toda forma sensível, desde a pedra ou a concha, é falante. Cada uma traz consigo, inscritas em estrias e volutas, as marcas de sua história e os signos de sua destinação. A escrita literária se estabelece, assim, como decifração e reescrita dos signos de história escritos nas coisas.”(...) “O geólogo, o naturalista reconstitui populações animais a partir dos ossos, e florestas a partir de impressões fossilizadas. Com ele, define-se uma nova idéia de artista. O artista é aquele que viaja nos labirintos ou nos subsolos do mundo social. Ele recolhe os vestígios e transcreve os hieróglifos, pintados na configuração mesma das coisas obscuras e triviais. Devolve aos detalhes insignificantes da prosa do mundo sua dupla potência poética e significante. Na topografia de um lugar ou na fisionomia de uma fachada, na forma ou no desgaste de uma vestimenta, no caos de uma exposição de mercadorias ou de detritos, ele reconhece os elementos de uma mitologia. E, nas figuras dessa mitologia, ele dá a conhecer a historia verdadeira de uma sociedade, de um tempo, de uma coletividade; faz pressentir o destino de um indivíduo ou de um povo. Tudo fala.” Para Novalis "O homem não é o único a falar, o universo fala, tudo fala linguagens infinitas".. Segundo Rancière, o novo poeta, o poeta geólogo ou arqueólogo, num sentido freudiano, “afirma que não existe o insignificante, que os detalhes prosaicos que um pensamento positivista despreza ou remete a uma simples racionalidade fisiológica são os signos em que se cifra uma história. Mas afirma também a condição paradoxal dessa hermenêutica: para que o banal entregue seu segredo, ele deve primeiro ser mitologizado Mitologizar para Lacan significa incorporar numa mesma história elementos que parecem contraditórios por pertencerem à sistemáticas diferentes, como os do mundo da realidade e os do mundo da fantasia. O capacho dos Guermantes é um objeto banal, porém posicionado num lugar estratégico e original. O Capacho fala uma linguagem infinita para Marcel Proust. Ele não representava o limiar do mundo maravilhoso do herói, mas sim era o seu limite. Permitia, portanto, que o herói exprimisse o nome encantado dos Guermantes, misturando lenda e vivência, acoplados pelo imaginário e o real E é por essa apresentação mágica e viva que ele é mitologizado no entender de Rancière. Assim, a entrada constituída pelo capacho é um local de passagem obrigatório para conhecer o mundo dos Guermantes, um mundo fictício, colorido e imortalizado pelo seu passado e lendas medievais.” “...O palácio de Guermantes começava para mim na porta do seu vestíbulo...” Diante do capacho o herói se detém, como se muralhas gigantescas o detivessem e lhe impedissem a passagem naquela linha divisória, quando, por um toque mágico, num convite da duquesa de Guermantes, o capacho não só recebe seus pés como permite ainda seu transporte pela “galeria escura, de móveis forrados de pelúcia vermelha”, e ele é conduzido, inicialmente, ao mundo imaginário dos Guermantes para então ser transportado ao mundo da arte. . Na verdade, para os outros, o capacho continuava sendo um simples capacho, denotando os estragos do tempo, um lugar insignificante onde as pessoas, quando convidadas, limpavam os pés antes da entrada no vestíbulo dos Guermantes. Nada mais que isso. Para Marcel “ a linha de demarcação que me separava do Faubourg Saint-Germain, por ser puramente ideal, tanto mais real me parecia; bem sentia que era já Saint-Germain o capacho dos Guermantes estendido do outro lado daquele equador e do qual minha mãe se atrevera a dizer, tendo-a visto como eu, no dia em que se achava aberta a porta dos Guermantes, que se achava em péssimo estado.”(...) “E contentava-me em estremecer quando avistava do alto mar( e sem esperanças de jamais abordá-lo) como um minarete avançado, como uma primeira palma, como no início da indústria ou da vegetação exóticas, o capacho gasto da margem.” O capacho dos Guermantes, como mito, representava a linha divisória intransponível entre a aristocracia e as pessoas comuns, assim como a linha de demarcação do equador representava a divisão dos hemisférios norte e sul no mapa mundi.