UM MENINO QUE NÃO SE CHAMAVA
MÁRIO.
Elsa Caravana Guelman.
Um dia como outro qualquer,
temperado por uma tênue chuva. Eu aguardava a chegada do elevador quando ele
chegou com seu avô, suponho. Era um menino muito expressivo, irradiando
simpatia. Usava uma camisa colorida com um nome bem grande: Mário. Olhei para
ele e arrisquei uma conversa: _ Advinhei seu nome. É Mário, não? Ele me olhou
e, de pronto, respondeu: _ Não é Mário. Eu sou Artur. Risos pelo meu engano, o
menino não ostentava seu nome em sua camisa. Por que a usava, então? Seria de algum ídolo? Do futebol, da música ?
Não fiquei sabendo. Estava encerrada a minha intromissão quando o possível avô
do menino, confidenciou-me de modo simpático: _ Ele está indo para a psicóloga.
Olhei para o Artur e, de novo, para o avô : Tão novo... O avô se abriu, dizendo
que o menino estava enfrentando problemas no colégio por saber de mais, por
estar à frente dos colegas. Nesse ponto, nos separamos, já no elevador, quando
saltaram no andar desejado.
A minha imaginação correu solta,
imediatamente. Pensei em outros casos,
de adolescentes que tiveram de deixar seus colégios por se sentirem diferentes
dos outros alunos, um deles por sua obesidade. Era maior que os demais, e isso
incomodava. Era diferente e essa diferença
ofende, oprime e separa as pessoas. É a história do patinho feio que era, na
verdade, um lindo cisne vivendo como patinho. Como é difícil ser
diferente!
(Voei longe, no tempo, e cheguei
a Marcel Proust, que, embora sendo um jovem culto, inteligente e penetrante, ao
freqüentar os altos salões da aristocracia francesa, que vivia numa ostentação
faustosa mundana, desprovida de valores
culturais, foi um estranho ao meio. Como e porque o aceitavam ? Julgavam-no um
snob , mundano e amador? Não tinham capacidade sequer para aquilatar
suas qualidades culturais. Sabiam-no escritor e
ele os encantava com seus conhecimentos
e sua curiosidade. Mas, mesmo tendo essa inteligência, cultura, ele não
era um nobre, não carregava aquela origem divina que os nobres acreditavam possuir.
Para eles, Marcel era diferente, não
nascera naquele meio. Só não entendiam que , embora não sendo um nobre, ele
lhes era, em tudo, superior. Com todas essas diferenças ele foi aceito nesse
mundo diferente, apesar de alguns atritos, sem importância. Para eles, era
importante ter em seu meio um homem tão
inteligente, com tanta finura e sensibilidade. Julgando-se superiores poderiam
aceitar um diferente, pois nenhum perigo corriam, ainda mais que esse diferente
lhes era agradável. Para ele, aquela união desigual e efêmera fortaleceu sua
visão do mundo, mostrando as desigualdades entre as pessoas e aquele meio snob e mundano funcionou como um
laboratório, um verdadeiro aquário onde ele pôde observar, em seus mínimos
detalhes, todo o panorama moral, social
e cultural daquela sociedade proeminente. Poderia ter sido um mero cronista
mundano, como tantos existiam e tudo
terminaria com a decadência da aristocracia. Nem seu nome seria conhecido. Mas,
não, ele foi avante porque seu real fundamento era artístico e não
sensacionalista e mundano. Ele buscava signos e os colheu abundantemente nos
salões e os codificou em outros signos, os da Arte. E, assim, pôde concluir a
sua obra, a sua Recherche Du temps Perdu, tornando-se um dos escritores mais
importantes da França, aquele que a posteridade enalteceria.)
Quando desci do elevador, notei
que o senhor que acompanhava o menino Artur, estava sentado na portaria do prédio. Na certa,
aguardava o menino, ainda com a psicóloga. O que estariam conversando? Na
certa, ela deveria estar fortalecendo sua confiança, solidificando suas
reservas para garantir suas defesas diante daqueles que se julgavam inferiores
e, por isso, reagiam, talvez,
violentamente. Quem sabe, Artur, o que você ainda vai fazer com sua brilhante
inteligência nesse mundo, que é muito grande, mas que, às vezes, se torna
pequeno pela estreiteza e pela mesquinhez das pessoas.
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