MARCEL PROUST – LE TEMPS RETROUVÉ - La matinée de la princesse de Guermantes, pg. 146 ( folio classique). Le Bal de Têtes.
ELSA CARAVANA GUELMAN:
A Paisagem Humana da “Matinée”.
O narrador
estava profundamente imerso em suas reflexões na biblioteca do príncipe de
Guermantes, quando foi avisado pelo mordomo de que a peça musical terminara e
ele poderia, então, entrar nos salões. Deu-se conta de onde estava e, sem
perturbar seu raciocínio, penetrou no salão.
O texto abaixo é
uma das muitas reflexões que lhe acudiram antes e durante a “matinée” da princesa de Guermantes . Além do mais era como voltar à vida depois de
um longo período longe da sociedade, na solidão de uma casa de saúde. Uma
surpresa, porém, lhe fora reservada ao verificar que as pessoas presentes não
lhe lembravam nada, como se fossem
verdadeiros desconhecidos. E, no entanto, ele estava no lugar certo para o qual
fora convidado a fim de encontrar os amigos
do passado. Olhando-os, sentiu-os embuçados como se fossem mascarados, e se imaginou num baile de máscaras ( Bal de
Têtes). Percebeu que alguns já tinham a rigidez , as pálpebras cerradas dos
moribundos, enquanto os lábios, agitados por um perpétuo tremor, pareciam murmurar as orações dos agonizantes..
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“ A
transformação que os cabelos brancos e
outros elementos ainda haviam operado, sobretudo nas mulheres, ter-me-ia afetado menos
se ela fosse apenas uma mudança de colorido, o que pode agradar aos olhos, e não o que é perturbador para o espírito, uma
mudança de pessoas. Com efeito, “reconhecer” alguém e, mais ainda, depois de
não ter podido o reconhecer, identificá-lo, é pensar sob uma só denominação
duas coisas contraditórias, é admitir
que quem está aqui, a pessoa da
qual nos lembramos, não existe mais, e
que quem aqui está é uma pessoa que não se conhece, desconhecida; é ter de pensar em um mistério tão perturbador como o da morte, do qual, ele
é o prefácio e o arauto. Porque essas mudanças,
eu sabia o que elas queriam
dizer, o que elas preludiavam. Também essa alvura dos cabelos impressionava nas
mulheres, juntando-se a tantas outras modificações. Alguém me dizia um nome, e
eu ficava estupefato de pensar que ele se aplicava , de igual
modo, à loura valsista que conhecera
outrora e à dama pesada de cabelos
brancos que passava pesadamente junto a
mim. Com uma certa coloração rósea de pele, esse nome era talvez a única coisa que tinha de comum entre essas duas mulheres,
mais diferentes -- a da minha memória e
a da “matinée” Guermantes --- que uma ingênua e uma matrona de teatro. Para
que a vida pudesse dar à valsista esse corpo enorme, para que ela pudesse
retardar, como um metrônomo, seus movimentos confusos, para conservar, talvez, como única parcela comum, as faces, mais
cheias, certamente, mas que, desde a
juventude, eram arroxeadas, pudesse
substituir à loura leve esse velho marechal ventripotente, fora-lhe necessário realizar mais devastações
que para colocar uma cúpula no lugar de uma flecha, e, quando se pensava que um
semelhante trabalho teria se operado,não
sobre a matéria inerte, mas sobre uma carne que só muda insensivelmente, o contraste
espantoso entre a aparição presente e a pessoa de que me lembrava fazia recuar
esta num passado mais remoto, quase
inverossímil. Tinha-se dificuldade em reunir os dois aspectos, em pensar
nas duas pessoas sob a mesma denominação;
porque, assim como é difícil
pensar que um morto foi vivo ou
que o que era vivo hoje está morto, é
quase tão difícil e do mesmo tipo de
dificuldade ( pois a redução ao nada da
juventude, a destruição de uma pessoa cheia de forças e de agilidade é já um
primeiro passo rumo ao nada), de conceber
que esta que foi jovem hoje é velha, quando o aspecto dessa velha,
justaposto ao da jovem, parece de tal maneira excluí-la que, alternadamente, cada uma por sua vez, é a velha, depois a jovem, depois ainda a velha, que parecem figuras
de sonho e não se acreditaria que isto
pudesse ter sido aquilo, que a matéria daquilo se tivesse tornado isto, sem se
refugiar em outra parte, graças às sábias manipulações do tempo, que seja
a mesma substância que não deixou o mesmo corpo --- se não se tivesse a prova
do nome igual e o testemunho afirmativo dos amigos, aos quais as
rosáceas das faces, outrora disfarçadas pelo ouro das espigas e hoje espalhadas sob a neve, conferem uma relativa aparência
de verdade".
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