sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CORNIGLIA - CINQUE TERRE - ITÁLIA



CORNIGLIA - CINQUE TERRE  - ITÁLIA 



É mencionada em uma passagem do Decamerão de Boccaccio, exatamente na novela que narra as desventuras do abade de Cluny: feito prisioneiro de Ghino di Tacco e sofrendo de doença do estômago, o prelado foi curado pelo seu carcereiro com um remédio que não seria desagradável a muitos: duas fatias de pão, servidas numa travessa branquíssima e acompanhada de um bom copo de vinho Vernaccia de Corrniglia.
A origem da localidade remonta à época romana; o nome da vila deriva provavelmente da "Gens Cornelia", família proprietária do território. Durante a idade média, analogamente às vilas vizinhas, ficou sob domínio dos condes de Lavagna, dos senhores de Carpena, de Luni. Em 1254, o papa Inocêncio IV cedeu sua posse a Nicolò Fieschi, até quando, em 1276, o poder passou a Gênova
Corniglia está em posição central em relação às outras localidades de Cinque Terre, situada a oeste da sede comunal, Vernazza (com a qual se une por um caminho construído na costa entre o topo e o mar) e de Monterosso, e a leste de Manarola e Riomaggiore. Se diferencia das outras localidades de Cinque Terre pois é a única que não está diretamente em frente ao mar, mas se encontra sobre um promontório de cerca de cem metros de altura, circundado de vinhedos plantados sobre característicos terraços no lado voltado para o mar. Para chegar a Corniglia é necessário subir una longa escada chamada Lardarina, constituída de 33 rampas com 377 degraus ou percorrer a estrada que a liga à estação ferroviária.”












                                  CORNIGLIA: CINQUE TERRE - ITÁLIA


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


OS TRABALHADORES DO MAR -  Victor Hugo.   Tradução de Machado de Assis.


Victor Hugo, em seu romance “Os trabalhadores do mar”,  diz que quando uma rocha é próxima da costa ela pode ser visitada pelos homens, sem problemas, com facilidade. Porém quando essa rocha  fica em alto mar, não há como visitá-la.  E isso é compreensível porque não há nada que interesse ao homem para ser visto. Não há árvores, nem animais, nem fontes. É uma nudeza  numa solidão. É uma rocha, simplesmente uma rocha, com declives fora da água e pontas debaixo da água.  Só há o mar. O mar tem ali o seu domínio absoluto, sem  nenhuma conotação terrestre.
Assim a define “ Nessa montanha, que lhe pertence o mar faz para si antros,  santuários,  palácios; tem uma vegetação hedionda e esplêndida; compõe-se  de ervas flutuantes que mordem e monstros que se  enraízam ; mete na sombra da água essa horrível magnificência. O mar desenvolve ali  a gosto seu lado  misterioso e inacessível ao homem. Depõe ali as secreções vivas e  horríveis. Acha-se ali todo o ignorado do mar.”
Para o autor, os elementos que compõem o rochedo, formam verdadeiras construções, vendo um verdadeiro estilo arquitetônico nessa formação oceânica, que se lhe apresentam com “o embaraçado do pólipo,  a sublimidade da catedral,  a extravagância do pagode, a amplidão  da montanha, a delicadeza da jóia, o horror do sepulcro. Tem alvéolos como uma colméia, latíbulos como pátio de bichos, túneis como  um combro de toupeiras, cárceres  como uma bastilha, emboscadas como um campo. Têm portas , mas tapadas,  colunas, mas truncadas, torres, mas inclinadas, pontes, mas despedaçadas.”
Continua : “ A figura arquitetural transforma, desconcerta-se , afirma  e nega a estática, quebra-se, detém-se, começa em arquivolta, acaba em arquitrave;  seixo sobre seixo. Terríveis  abóbodas pendentes ameaçam cair, mas não caem. Ninguém sabe como se seguram esses edifícios vertiginosos. Declives, lacunas,  suspensões insensatas; desconhece-se  a lei desse babelismo.”
O autor considera o rochedo  Douvres como uma verdadeira obra prima da arquitetura oceânica. Sua construção  e aperfeiçoamento obedeceu aos ímpetos do mar, tornando-o hediondo, pérfido, obsscuro, cheio de cavas. Tinha um sistema  de veias  que eram fendas submarinas, ramificando-se  em profundezas insondáveis.  Muitos orifícios desse rasgão inextrincável ficavam a seco nas vazantes.
Acentua : “Há quarenta anos, duas rochas  de forma extraordinária assinalavam de longe o rochedo Douvres. Eram duas pontas verticais agudas e recurvadas, tocando-se quase no cume. Parecia  ver-se irrompendo do mar dois dentes de um elefante engolido. Mas eram dentes de tamanhos de  que só poderiam  pertencer a elefantes de tamanhos de uma montanha.  Essas duas torres naturais da obscura cidade dos monstros não deixavam entre si  mais que uma passagem estreita onde a vaga se  atirava. Essa passagem , tortuosa e de alguns côvados de comprimento, parecia um pedaço de rua entre duas paredes. A essas duas rochas gêmeas  chamava-se  as  duas Douvres.  Havia a grande Douvre e a pequena Douvre;  uma tinha 60 pés de altura e outra tinha 40. O vaivém  das ondas  fez na  base  dessas torres um aspecto da serra, e o violento equinócio de 26 de outubro de 1859 derrubou uma delas. A que ficou, a pequena, está mutilada e gasta.  Um dos mais estranhos rochedos do grupo Douvres chama-se o Homem.  Esse ainda existe.  No século passado  alguns pescadores, perdidos naqueles rochedos, acharam um cadáver .  Ao pé do cadáver havia uma porção  de conchas vazias. Tinha  naufragado ali um homem, refugiou-se naqueles rochedos, alimentou-se algum tempo de conchas, até que morreu. Veio daí chamar-se Homem ao rochedo. São singulares as solidões da água.  É o túmulo e o silêncio. O que aí se faz  já nada tem com o gênero humano.  É a utilidade desconhecida. Tal é o isolamento do rochedo Douvres. Em derredor, a perder de vista, o imenso tormento das vagas.”

O  romance  “Os Trabalhadores do Mar” narra a vida de um marinheiro,  Gilliatt, que, apaixonado pela jovem Déruchette, trava, em um local considerado extremamente perigoso por navegadores de todo o mundo (o rochedo Douvres), verdadeira luta contra as poderosas forças da natureza, ao tentar impedir que a máquina essencial de uma embarcação a vapor se perca  no fundo do mar.
O escritor dedica seu livro “ ao rochedo de hospitalidade e de liberdade, a este canto da velha terra normanda onde vive o nobre e pequeno povo do mar, à ilha de Guernesey (ou Guernsey), severa e branda, meu atual asilo, meu provável túmulo.”.

O polvo (aquarela de Victor Hugo) (1866)
 O editor, à guisa de apresentação, escreve na primeira página:
“A religião, a sociedade, a natureza: tais são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o templo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três guerras nessas três soluções. Sai de todas a misteriosa dificuldade da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento. Tríplice 'ananke' pesa sobre nós, o 'ananke' dos dogmas, o 'ananke' das leis, o 'ananke' das coisas. Na Notre-Dame de Paris, o autor denunciou o primeiro; em 'Os Miseráveis', mostrou o segundo; neste livro indica o terceiro. A essas três fatalidades que envolvem o homem, junta-se a fatalidade interior, o 'ananke' supremo, o coração humano. (Obs.: 'ananke': palavra grega para fatalidade).” (Wikipedia).
É belíssima a descrição de um edifício debaixo do mar:
“A grota, donde ele saíra, ia ter a mesma saliência estreita e viscosa, espécie de vulcão na muralha a pique. Gilliat  encostou-se à muralha  e olhou.
Estava numa grande cava. Tinha acima de si  alguma coisa semelhante ao interior de um crânio  dissecado.  E parecia dissecado ao fresco. As nervuras gotejantes das estrias do rochedo imitavam  na abóbada as fibras e as suturas  dentadas de uma caixa óssea. Por teto, a pedra;  por assoalho, o mar, as on das apertadas entre as quatro paredes da grota pareciam vastos ladrilhos flutuantes. A grota estava fechada por todos os lados.  Nenhuma trapeira, nenhum respiradouro, nenhuma fenda na parede, nenhuma racha na abóboda. A luz vinha de baixo, através da água.  Era um resplendor tenebroso.” (...) “Gilliat  via diante dele, debaixo da vaga, uma espécie de arcada afogada.  Essa arcada, ogiva  natural, trabalhada pela onda,  era brilhante  entre as duas colunas profundas e negras. Era por aquele pórtico submergido que entrava na caverna a  claridade do alto mar. Luz estranha que vinha por um buraco na água.
Essa claridade esvazia-se debaixo da água como um largo  leque e repercutia no rochedo. Os raios  retilíneos, cortados em longas fitas retas,  sobree a opacidade do fundo, clareando ou escurecendo de uma anfratuosidade a outra, imitavam  interposições de lâminas de vidro. Havia luz, mas luz desconhecida. Já não era a nossa luz. Podia-se crer que se estava em outro planeta. A luz era um enigma; dissera-se o verde clarão da pupila de uma esfinge. A cava figurava  o interior de uma cabeça enorme; a esplêndida abóboda era o crânio, e a arcada era a boca; não havia buraco dos olhos. A boca engolindo e vomitando o fluxo e o refluxo, aberta em  pleno meio-dia exterior, bebia a luz e vomitava o amargor.
A abóboda, com seus lóbulos quase cerebrais e as suas ramificações semelhantes a nervos, tinha um fraco reflexo de  crisópraso. O chamalote da onda, reverberado no teto, decompunha-se e recompunha-se constantemente, alargando e estreitando as suas rodas de ouro com um movimento de dança misteriosa.  Saía dali uma impressão espectral; o espírito podia perguntar que presa ou que espera era aquela que fazia tão alegremente aquele magnífico filete de fogo vivo.  Nos relevos da abóboda e e nas asperidades da rocha pendiam longas e finas vegetações banhando provavelmente as raízes através do granito em alguma toalha de água superior, e desbagando, nas pontas, uma  gota de água, uma pérola. Essas pérolas caiam no golfão com um pequeno rumor, Todo esse conjunto era inexprimível. Não se podia imaginar nada mais lindo nem mais lúgubre.
Era o palácio da Morte, alegre.”