terça-feira, 2 de julho de 2013

UM M ENINO


UM MENINO QUE NÃO SE CHAMAVA MÁRIO.

Elsa Caravana Guelman.


Um dia como outro qualquer, temperado por uma tênue chuva. Eu aguardava a chegada do elevador quando ele chegou com seu avô, suponho. Era um menino muito expressivo, irradiando simpatia. Usava uma camisa colorida com um nome bem grande: Mário. Olhei para ele e arrisquei uma conversa: _ Advinhei seu nome. É Mário, não? Ele me olhou e, de pronto, respondeu: _ Não é Mário. Eu sou Artur. Risos pelo meu engano, o menino não ostentava seu nome em sua camisa. Por que a usava, então?  Seria de algum ídolo? Do futebol, da música ? Não fiquei sabendo. Estava encerrada a minha intromissão quando o possível avô do menino, confidenciou-me de modo simpático: _ Ele está indo para a psicóloga. Olhei para o Artur e, de novo, para o avô : Tão novo... O avô se abriu, dizendo que o menino estava enfrentando problemas no colégio por saber de mais, por estar à frente dos colegas. Nesse ponto, nos separamos, já no elevador, quando saltaram no andar desejado.
A minha imaginação correu solta, imediatamente. Pensei  em outros casos, de adolescentes que tiveram de deixar seus colégios por se sentirem diferentes dos outros alunos, um deles por sua obesidade. Era maior que os demais, e isso incomodava.  Era diferente e essa diferença ofende, oprime e separa as pessoas. É a história do patinho feio que era, na verdade,  um lindo cisne  vivendo como patinho. Como é difícil ser diferente!
(Voei longe, no tempo, e cheguei a Marcel Proust, que, embora sendo um jovem culto, inteligente e penetrante, ao freqüentar os altos salões da aristocracia francesa, que vivia numa ostentação faustosa mundana, desprovida de  valores culturais, foi um estranho ao meio. Como e porque o aceitavam ? Julgavam-no  um  snob , mundano e amador? Não tinham capacidade sequer para aquilatar suas qualidades culturais. Sabiam-no escritor e  ele os encantava com seus conhecimentos  e sua curiosidade. Mas, mesmo tendo essa inteligência, cultura, ele não era um nobre, não carregava aquela origem divina que os nobres acreditavam possuir. Para eles, Marcel era  diferente, não nascera naquele meio. Só não entendiam que , embora não sendo um nobre, ele lhes era, em tudo, superior. Com todas essas diferenças ele foi aceito nesse mundo diferente, apesar de alguns atritos, sem importância. Para eles, era importante ter  em seu meio um homem tão inteligente, com tanta finura e sensibilidade. Julgando-se superiores poderiam aceitar um diferente, pois nenhum perigo corriam, ainda mais que esse diferente lhes era agradável. Para ele, aquela união desigual e efêmera fortaleceu sua visão do mundo, mostrando as desigualdades entre as pessoas e  aquele meio snob e mundano funcionou como um laboratório, um verdadeiro aquário onde ele pôde observar, em seus mínimos detalhes, todo o panorama moral,  social e cultural daquela sociedade proeminente. Poderia ter sido um mero cronista mundano, como  tantos existiam e tudo terminaria com a decadência da aristocracia. Nem seu nome seria conhecido. Mas, não, ele foi avante porque seu real fundamento era artístico e não sensacionalista e mundano. Ele buscava signos e os colheu abundantemente nos salões e os codificou em outros signos, os da Arte. E, assim, pôde concluir a sua obra, a sua Recherche Du temps Perdu, tornando-se um dos escritores mais importantes da França, aquele que a posteridade enalteceria.)

Quando desci do elevador, notei que o senhor que acompanhava o menino Artur, estava  sentado na portaria do prédio. Na certa, aguardava o menino, ainda com a psicóloga. O que estariam conversando? Na certa, ela deveria estar fortalecendo sua confiança, solidificando suas reservas para garantir suas defesas diante daqueles que se julgavam inferiores e, por isso,  reagiam, talvez, violentamente. Quem sabe, Artur, o que você ainda vai fazer com sua brilhante inteligência nesse mundo, que é muito grande, mas que, às vezes, se torna pequeno pela estreiteza e pela mesquinhez das pessoas.