domingo, 20 de abril de 2014

O PEQUENO MUNDO DE MARCEL PROUST
De Elsa Caravana Guelman


         A literatura de Marcel  Proust é de uma riqueza inimaginável pelas significações  mágicas e simbólicas que se entrelaçam entre as palavras em sua narrativa que,  de  início,   se apresenta numa aparência de leveza na condução dos acontecimentos que vão surgindo no crescimento e na bifurcação de suas longas frases quando,   então, crescem emocionalmente e, numa transformação, nos conduzem a um verdadeiro labirinto.  E essas infiltrações são invisíveis numa primeira vista, não aparecem,  como se dormissem dentro das palavras, necessitando de uma ordem do leitor para o seu despertar ou, como sonâmbulas, necessitam de quem as despertem. São muitos também os signos que fogem das coisas onde estão como se escapassem de vasos fechados e se identificam em verdadeiros círculos, cruzando-se, inicialmente, com  mundanismo, amor, sensibilidade antes de  convergirem, finalmente,  todos esses signos,  para a vivência absoluta da arte.  Se persistirmos na descoberta desses signos descobriremos que   as frases desabrocham como flores em dia de sol nos jardins e as sentiremos revividas e incorporadas de novas sensações , quando despertarão para uma vida própria no enriquecimento do texto. As palavras de estáticas passam a ser dinâmicas, e, recriadas em seu novo reino, se ajustam em harmonia ao dar seguimento às novas visões do pensamento. Entendemos, então, que, num processo duplo, o leitor e as palavras do escritor se encontram e se completam verdadeiramente para uma viagem de encantamento nos domínios da escrita.É o que acontece quando se lê Marcel Proust. Abrimos o livro e começamos a ler em busca de um entendimento. As palavras parecem nos esperar para esta viagem. Mas na verdade querem é ser decifradas, pois muitas delas não estão no texto com o seu sentido lógico, do dicionário, não. Quando encontramos a primeira dificuldade e o entendimento é dúbio, vamos, então, tateando, mexendo, remexendo em tudo na tentativa de encontrar um sentido figurativo ou analógico para não perder o rumo e despencar nos seus longos parênteses, verdadeiros recheios de conhecimentos filosóficos e literários, um alerta ao leitor para se preparar a uma conclusão surpreendente, uma espécie de “avant goût”, uma pequena amostra da beleza e da grandiosidade que ele nos prepara  com a certeza de que não  pararíamos, que iríamos até ao fim. Finalmente nos envolvemos com o uso constante de metáforas que, ampliando e avivando os trechos  das reminiscências e descobertas com infinitas feições, enriquecem e eternizam sua literatura.
       Sobre a literatura proustiana, André Gide, que se  recusou a publicar Du côté de chez Swann pela Gallimard, assim se expressou: “Que livros curiosos! Penetramos neles como em uma floresta encantada; desde as primeiras páginas nos perdemos, e ficamos felizes de nos perder; logo não sabemos mais por onde  entramos nem a que distância nos encontramos da margem; em alguns momentos, parece que caminhamos sem avançar, e, em outros, que avançamos sem caminhar, vamos olhando tudo de passagem; não sabemos mais onde estamos, para onde vamos.” André Gide, Incidences, Paris, Gallimard, 1948.

        Marcel Proust é uma fonte inesgotável, que se estrutura e se recria a todo instante, proporcionando-nos prazeres renovados da amplidão transbordante de suas rememorações, porque nada para ele se apresentava concluído,  tendo de  evoluir, crescer e se modificar no jogo sutil das emoções que sua memória prodigiosa arrancava dos abismos da mente. Ler Marcel é contar sempre  com surpresas e descobertas, surpresas que podem até modificar o sentido original que se deu à leitura e descobertas pela duplicidade de ideia que cada palavra pode sugerir em sua movimentação. Acho que até o próprio Proust se perdia nessa tentativa de aprimoramento de seu estilo, sempre impulsionado pelo que lhe ditava o subconsciente, o seu interior mais profundo e contando com  sua sensibilidade, em que tudo está aprisionado como  em caixas a espera de um olhar ou de um empurrão para ganhar existência no mundo real.
       A preocupação de Proust com seus romances foi imensa, ocupando-lhe todo o tempo de que dispunha, quando se isolou em  seu apartamento e passou a viver inteiramente para a arte,  em companhia da amiga Celeste Albaret. Ela, inclusive, o ajudava pregar pedaços de papel escritos nos seus cadernos e nas revisões, verdadeira compulsão. Deixou 75 cadernos com observações, modificações de sua obra, escritas nervosamente pela noite afora. Corria contra o tempo, pois temia que a morte o tragasse antes de terminar seu trabalho definitivo. Esses  cadernos  manuscritos, que estavam em poder da família,  foram adquiridos pela Biblioteca Nacional da França e lá se encontram à disposição dos estudiosos e decifradores de Marcel, havendo um grupo de pesquisadores franceses, japoneses e brasileiros trabalhando para a organização de uma edição que conterá a transcrição integral das páginas, com notas e comentários dos textos, reproduções em fac-símile que dará ao leitor a possibilidade de cotejar a transcrição com o manuscrito proustiano.
        Faremos, então, uma viagem literária ao universo de Marcel Proust. Escolhemos seu  romance, “Du cote de chez Swann”, na parte referente a Combray, por ressaltar as lembranças de uma época em que seus sonhos e anseios eram mais fecundos que suas dúvidas.          
        “Desse modo, por bastante tempo, quando acordava de noite e me vinha a recordação de Combray, nunca consegui rever mais que aquela espécie de traço ou lanço luminoso (pan lumineux), que era recortado no meio de trevas indiferenciadas, semelhante aos que o acender de um fogo de artifício ou certa projeção elétrica iluminam e seccionam em um prédio cujas outras partes permanecem escuras e  mergulhadas dentro da noite: na base, muito larga, o pequeno salão, a sala de jantar, o trilho da alameda escura por onde  surgiria o Sr. Swann, inconsciente  autor das minhas tristezas, o vestíbulo  por onde me levaria para o primeiro degrau da escada, tão difícil de subir, que, por si só, constituía  o tronco bastante estreito daquela pirâmide irregular; e, o meu quarto,  no alto,  com o pequeno corredor de porta envidraçada por onde  mamãe entrava; em resumo, sempre visto à mesma hora, isolado de tudo  o que pudesse ter em torno, aparecendo sozinho na escuridão, o cenário  estritamente necessário ( como os que são vistos indicados em cima das velhas peças para as representações na província), ao drama do meu deitar: como se Combray se resumisse apenas em dois andares ligados por uma estreita escada, e como se nunca  fosse  mais  que sete horas da noite. Na verdade, poderia responder, a quem me perguntasse, que Combray ainda  compreendia outras coisas mais e existia em outras horas. Todavia como o que então recordasse me seria fornecido unicamente pela memória voluntária, a memória da Inteligência, e como as  informações que ela nos dá sobre o passado não conservam nada deste, nunca me teria ocorrido de pensar no restante de Combray. Na verdade, tudo isso estava morto para mim. Morto para sempre? Era possível ?
       Há muito de acaso em tudo isso, e um segundo acaso, que é o de nossa morte, não nos permite muitas vezes aguardar por muito tempo os favorecimentos do primeiro.
       Acho que é razoável a crença céltica de que as almas daqueles a quem perdemos, se acham cativas em algum ser inferior, num animal, um vegetal, uma coisa inanimada, efetivamente perdida para nós até o dia, que para muitos nunca chega, em que nos permite passar por perto da arvore, entrar na posse do objeto que lhe serve de prisão.  Então elas palpitam, chamando-nos, e, logo que as reconhecemos, está desfeito o encanto. Libertadas por nós, venceram a morte e voltam a viver conosco.
       Assim é com o nosso passado. Trabalho perdido tentar evocá-lo, todos os esforços da nossa inteligência  mostram-se inúteis. Está ele oculto, longe do seu domínio e do seu alcance, em algum objeto material ( na sensação que nos daria tal objeto material) que nós nem suspeitamos.  Esse objeto, só  do acaso depende que seja localizado antes de morrer, ou que não o localizemos nunca.”
       Nessa recordação de Combray, Marcel Proust, ou o narrador, se esqueceu de um lugar que lhe era muito caro: uma pequena peça que cheirava a íris (uma planta perfumada e suspensa por galhos) e onde também tinha um cassis silvestre e perfumado, na parte de cima da casa  e perto do local onde sua avó sempre dava seus passeios pelo jardim. Mas o próprio narrador adverte: “Na verdade, poderia responder a quem me perguntasse que Combray comprendia outras coisas mais e existia em outras horas.” Na ocasião, suas recordações a respeito de Combray eram trazidas unicamente pela memória voluntária, a memória da inteligência, cuja informação sobre o passado  não conservava nada dele, e nem lhe teria feito lembrar-se do restante de Combray, ainda que nesse restante estivesse um  cantinho  com tantas recordações de seu                        passado. Essa recordação da memória voluntária de Combray difere da outra recordação de Combray em razão da madeleine que é evocada pela memória involuntária,  quando Combray aparece em um passado puro, nada tendo com o  presente atual e o  passado que foi presente, por ser uma essência “do tempo em estado puro”. Voltando ao esquecimento de Marcel.   O que representava  esse cantinho ? O que representou, verdadeiramente, em sua infância e adolescência.?
       “Quando tinha 12 anos eu me isolei pela primeira vez no quartinho  que ficava no alto de nossa casa em Combray onde existiam colares de grãos de íris suspensos, procurando nessa fuga um prazer desconhecido, original, que não poderia ser substituído por outro. Era uma peça grande, que podia ser fechada à chave, mas a janela estava sempre aberta dando passagem a uma flor lilás que vinha do muro exterior e conseguira passar pela fresta sua extremidade perfumada. Tão alto (dans les combles du château), no sótão,  eu me sentia absolutamente só, mas esta aparência de estar em pleno ar, somava  uma  sensação deliciosa ao sentimento de segurança que sólidas fechaduras davam a minha solidão.A exploração que eu fiz então em mim mesmo em busca de um prazer que eu não conhecia, não me teria dado mais emoção, mais pavor, se eu tivesse agido por mim ao praticar uma intervenção cirúrgica em minha medula e meu cérebro. A todo momento eu acreditava que ia morrer. Mas que me importava, meu pensamento exaltado pelo prazer sentia que ele era mais vasto, mais possante que  este universo que eu percebia ao longe pela janela na imensidão e na eternidade da qual eu pensava habitualmente com tristeza  não ser  senão uma efêmera  parcela. Nesse momento também ainda longe das nuvens cobrirem a floresta, eu sentia que meu espírito ia um pouco mais longe que a extremidade das coisas, não estava  tomado por elas, deixava  uma pequena margem ainda. Eu sentia  meu olhar potente nas minhas pupilas trazer como simples reflexos sem realidade as belas colinas curvas  que se elevavam como seios dos dois lados do rio. Tudo isso  repousava sobre mim,  eu era mais que tudo isso, eu não podia morrer.” (...) Nesse momento  eu senti uma ternura que me envolvia, era o odor do lilás que em minha exaltação eu tinha deixado de perceber. Mas um odor acre, um odor de seiva ali se misturava  como se eu tivesse quebrado o galho; eu tinha somente deixado sobre a folha um traço prateado e natural como faz o fio da virgem ou o caracol. Mas sobre este  galho ele me aparecia como o fruto proibido sobre a árvore do mal.  E como os povos que dão às suas divindades formas inorganizadas, foi sob a aparência desse fio de prata que se podia esticar quase indefinidamente sem o terminar e que eu vinha de tirar de mim - mesmo, indo tudo ao avesso de minha vida natural, que eu reapresentava (imaginava) para mim desde então  e para algum tempo o diabo.”( Du cote de chez Swann – Esquisse III, pag. 646/647, volume I, Bibliothèque de la Pléiade).  
       Este texto,  que constou da obra Contre Saint-Beuve, como Sommeils,   e não do livro Du Coté de chez  Swann,  é revelador da  importância do seu pequeno mundo de Combray. Consta de suas anotações.  Além desse,  Marcel deixou muitos outros trechos em cadernos com diversas citações e muitas correções que ele fazia e refazia até encontrar a fórmula perfeita. Os seus editores é que sofriam com as constantes revisões ao modificar, acrescentar ou suprimir os trechos literários antes da publicação.
       Daremos ênfase, portanto, ao que constou de seu livro “Du cote de chez Swann” a respeito do “cabinet”, em suas férias em Illiers, e o que realmente foi publicado.
       Em alguns dias, para fugir das discussões de seus avós sobre bebida, motivada por sua tia-avó, que dava ao seu avô algumas gotas para beber e, ao mesmo tempo, gritava para sua avó o que ele bebia, causando-lhe sofrimentos, o narrador ia soluçar lá no alto da casa, “ao lado da sala de estudos, sob os telhados, numa pequena peça que cheirava a íris (dans une  petite pièce sentant l’iris), também perfumada por um cassis selvagem que crescera fora entre as pedras da muralha e passava ramo florido pela janela entreaberta. Destinada a um uso mais especial e mais vulgar, aquela peça, de onde se tinha vista, de dia, até o torreão de Roussainville-de-Pin, me serviu muito tempo de refúgio, sem dúvida por ser a única que me era permitido fechar a chave para todas as minhas ocupações que demandavam uma inviolável solidão: a leitura, o devaneio, as lágrimas e a volúpia.” Nesse diminuto ambiente em que  se refugiava,  como a  desafiar o universo, às portas fechadas,  na criação do seu pequeno mundo imaginário, levado pela vibrante  imaginação que já   se deixava impulsionar pela sensação, o que no futuro seria o Dejá vu de suas rememorações, Marcel viu brotar as primeiras experiências de sua vida. Na certa, leu, avidamente, François Le Champi, um prazer divino, leitura de férias, interrompida, às vezes, por um obstáculo vulgar como quando um amigo vinha visitá-lo ou um sol impertinente lhe forçava levantar os olhos da página ou a mudar de lugar.  É possível que tenha lido, também, “Vingt Mille lieues sous les mers”, de Jules Verne, pois para demonstrar  a curiosidade de Aimé, o maître do hotel de Balbec, Proust afirma ter ele o ar, ao mesmo tempo,  atento e agitado de uma criança que leu um romance de Jules Verne. O que levou Michel Butor a concluir que Marcel Proust tenha sido essa criança que leu o romance de Jules Verne. Em sua obra, Marcel Proust dá mais outra pista ao escrever sobre o assunto: “A idéia que se poderia voluntariamente renunciar a cem jantares ou almoços na cidade, ao duplo de chás, ao triplo de acontecimentos  noturnos, às mais brilhantes segundas-feiras da Ópera e terças-feiras do Francês para visitar os Fjords da Noruega não pareceu  aos Courvoisier mais explicável que “Vingt Mille lieues sous lês mers””. Seria ou teria achado o romance tão extraordinário, assim ?
       Em sua enumeração da pequena peça, após a leitura,  vem os devaneios a que se permitia  e que davam certo sabor aos seus dias de férias em Combray, nas alegrias da solidão e do silêncio que ele procurava esconder, quando seu olhar alcançava pela janela Roussainville, em cujos muros jamais penetrou, embora fosse uma aldeia que havia tanto tempo desejava conhecer, sentir as árvores do seu bosque, admirar as torres de sua igreja antecipando os passeios do lado de Méséglise, de Tansonville e de Mountjouvain.
       Pela janela de seu pequeno gabinete, sempre aberta, Marcel contemplava a natureza esculpida por folhagens que, ao lado das que cresciam normalmente, formavam um conjunto que parecia, na verdade, uma obra de arte.  E, então, surgia diante dele,  ao longe, uma vista de Roussainville, como um “petit pan de couleur”,  deixando-o imerso em seus devaneios: “...terra prometida ou maldita, Roussainville, em cujos muros jamais penetrei, Roussainville que, quando a chuva já se acabara  para nós, continuava a receber castigo como uma aldeia da Bíblia por todos os transbordamentos da tempestade que flagelavam obliquamente as casas  de seus moradores...” Diante de um horizonte desértico à sua frente, Marcel continuava seu devaneio: “ Mas era em vão, debalde, que eu implorava  o torreão de Roussainville, que lhe suplicava me mandasse alguma menina da sua aldeia, como  ao único confidente que eu podia conseguir dos meus primeiros desejos, quando, nos altos de nossa casa em Combray, no pequeno gabinete cheirando a íris, só avistava a sua torre no quadrado da janela, enquanto, com as heróicas hesitações do viajante que se embrenha numa exploração ou do desesperado que se suicida, eu fazia surgir desfalecente em mim mesmo um caminho  desconhecido e que julgava mortal  até o momento em que sentia o rastro natural de um caracol que vinha  juntar-se às folhas da groselheira silvestre inclinadas até a mim. Em vão eu lhe suplicava agora. Totalmente em vão, compreendendo  toda aquela extensão no meu campo visual, drenando-a com os meus olhares que gostariam de trazer dali uma mulher.” (...) “o horizonte continuava deserto, enquanto a noite caía sem dar esperança  ao meu desejo, naquele solo estéril de terra esgotada;  e não era mais de alegria, era de raiva que eu batia às árvores do bosque de  Roussainville, de onde não saía nem um ente vivo, como se as árvores fossem  uma pintura, não árvores verdadeiras,  sobre a tela de um panorama.”
       Era  nesse pequeno ambiente que Marcel dava vazão às suas lágrimas quando  dissabores o acometiam. Mais tarde ficou sabendo que sua avó vivia se martirizando por causa da sua falta de vontade, sua saúde precária que projetavam muita incerteza sobre seu futuro. (Nessa época o único consolo de Marcel era esperar toda noite que sua mãe fosse beijá-lo, quando já estivesse na cama, preparando-se para dormir. Apesar de durar tão pouco, pois sua mãe descia rapidamente após o beijo noturno, ele a aguardava. Era uma verdadeira tortura diária e quanto mais cedo ela vinha, mas depressa ia embora. Desejava, então,  que ela viesse o mais tarde possível, para que se prolongasse o tempo de espera em que ela ainda não subira. Nas noites em que havia um convidado para jantar, Sr. Swann, a situação se complicava, pois sua mãe podia nem subir para lhe dar boa-noite, o que o deixava desesperado e infeliz.)
       A última finalidade do seu esconderijo, seu pequeno mundo,  era poder, seguramente, entregar-se à volúpia, no descobrimento de seus desejos íntimos e secretos ao  despertar  sua sexualidade. Este pequeno mundo de leituras, devaneios, lágrimas e volúpias, inicialmente, lhe abriu as portas para a criação de sua Recherche, incutindo-lhe prazerosamente os fundamentos necessários a fim de incrementar e solidificar os alicerces fecundos de uma obra de arte extraordinária, reflexo de uma vida verdadeiramente vivida no mergulho insondável do interior do ser na busca das verdades eternas através da memória afetiva ou involuntária.
       Para Giles Deleuze, a Recherche não foi construída como uma catedral, nem como um vestido – metáforas utilizadas pelo escritor --  mas como uma teia. O narrador da Recherche é uma aranha. Acontece que a  aranha nada vê, nada percebe, de nada se lembra e somente em uma das extremidades de sua teia “ela registra a mais leve vibração que se propaga até seu corpo em  ondas de grande intensidade e que a faz, de um salto, atingir o lugar exato. Sem olhos, sem nariz, sem boca, a aranha responde  unicamente aos signos e é atingida pelo menor signo que atravessa seu corpo como uma onda e a faz pular sobre a presa.” (...) “O narrador-aranha, cuja teia é a Recherche que se faz, que se tece com cada fio movimentado por este ou aquele signo:  a teia e a aranha, a teia e o corpo são uma mesma máquina. O narrador pode ser dotado de uma extrema sensibiliddade, de uma prodigiosa memória: ele não possui órgãos no sentido em que é privado  de todo uso voluntário e organizado de suas faculdades. Em contrapartida, uma faculdade se exerce nele quando é coagida e forçada a fazê-lo; e o órgão correspondente vem situar-se nele, mas como  um esboço “intensivo” despertado pelas ondas  que lhe provocam  o uso involuntário. Sensibilidade involuntária, memória involuntária, pensamento involuntário são como que reações globais intensas do corpo sem órgãos a signos  de diversas naturezas. Esse corpo-teia-de-aranha se agita para entreabrir ou fechar cada uma das pequenas caixas que vêm deparar-se  com um fio viscoso da Recherche. Esse corpo-aranha  do narrador, o espião, o policial, o ciumento, o intérprete e o reivindicador – o louco – o esquizofrênico universal  vai estender um fio até Charlus, o paranóico, um outro até Albertina, a erotômana, para fazê-los marionetes de seu próprio delírio, potências intensivas de seu corpo sem órgãos, perfis de sua própria loucura.”
       Pode-se, finalmente,  aquilatar o que este pequeno quarto, cabinet, pequena peça, representou para Marcel Proust; foi verdadeiramente seu pequeno mundo com as riquezas das suas descobertas, seus tesouros mentais,  verdadeiros símbolos que povoavam febrilmente sua imaginação.
       Ao dizer “ Et que je venais de tirer de moi-même”, ‘le fil de la vierge”( que significa o fio que a aranha, na dispersão outonal, vai deixando sobre as árvores dos campos e sobre as flores dos jardins, tecendo muitas vezes um grande emaranhado para aprisionar insetos),  “le fil d’argent sans  le faire finir” ele nos faz lembrar o mito d’Arachnée, das Metamorfoses de Ovídio, em que Arachné e todos os descendentes terão de tirar de si mesmo o fio para tecer suas teias. Isto é, todo escritor, poeta terá de tirar de si mesmo o fio da sua criação. ( Novamente a aranha, na primeira, com Deleuze, é a semelhança de agir como uma aranha,  enquanto a do mito refere-se a uma metamorfose, o escritor tem de tirar tudo o que imaginar de si mesmo como a aranha, ou nunca será um  verdadeiro escritor.)

Le fil de la vierge que Marcel tire de lui-même après avoir vécu une métamorphose comme celles que l’on trouve représentées sur la toile d’Arachné, c’est le fil dont Arachné tisse sa toile, c’est l’encre métaphorique qui va laisser sur les feuilles les traces formant le texte parfait dans lequel même l’arbitre le plus partial ne va trouver aucune faute. Le fil que Marcel vient de trouver « en allant tout au rebours de [s]a vie naturelle », c’est-à-dire du présent au passé vers lequel le mène sa quête, ce fil se laisse tendre « presque indéfiniment », il devient aussi long que le long roman que Marcel va écrire. Marcel ne sait pas encore à quel jeu dangereux il se laisse entraîner, mais il sent déjà que son œuvre insolente sera punie par un jugement divin. Voilà pourquoi son fil lui semble « le fruit défendu sur l’arbre du mal » ou même l’ultime provocation de Dieu – « le diable ». Edi Zollinger

Université de Munich
eEEntendemos que  a expressão “Le fil de la vierge” em Marcel Proust ganhou um sentido metafórico, simbólico, servindo-se da Metamorfose de Ovídio, pela qual  a tecelã Arachné, por desafiar a deusa Palas, é transformada numa aranha, sendo obrigada a tirar tudo de si mesma. O que o menino vê na folha do lilás – imagens de emoção –o traço prateado e longo,  sem fim visível, o que  representará? Mais tarde, a lembrança desse fio entrará na própria  composição da Recherche, numa sistemática de contagem regressiva, do presente ao passado e do passado ao presente em busca de um caminho intransponível.  Por que Marcel se assusta com a descoberta do traço, considerado fio revelador de fruto proibido sobre a árvore do mal que o fez conhecer o prazer, contemplando, pela janela aberta,  as duas colinas distantes que se assemelhavam a dois seios (seins-collines)?  E este prazer era  desconhecido, original, não sendo substituído por nenhum outro, somente permitido no “cabinet sentant l’iris”. A  figura do diabo aparecia, então,  para ele sob a forma  desse fio de prata que pendia do ramo da árvore, aliado a um sentimento profundo de culpabilidade, que ele não conseguia vencer,  causando-lhe uma prostração e uma angustia que o perseguia como o fantasma da morte.
        Também ele ousa desafiar o todo poderoso Saint-Beuve, pois toda sua obra é um verdadeiro desafio aos conceitos e ordenamentos pré-estabelecidos da visão literária, sustentáculos da crítica literária de Saint-Beuve, uma verdadeira deusa Pallas.



        Captamos no fim do mito a revelação de que ’Arachné está condenada a  tirar de seu próprio ventre o fio  com o qual tece suas telas voluptuosas, com sua cabeça, braços e pernas atrofiados, ínfimos.  Em seu pequeno mundo,  o escritor Marcel Proust,  como a aranha do mito , impregnado de anseios juvenis,  deu início a sua vida literária, que, mais tarde, seria enriquecida pela À la Recherche Du Temps Perdu, quando tirando tudo dentro de si mesmo, do seu inconsciente,num mergulho profundo nas imensidões do pensamento e impulsionado pela memória, legaria à humanidade uma das mais extraordinárias obras literárias.


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quinta-feira, 17 de abril de 2014

O REFLEXO DO MEDO



                                                                 Elsa Caravana Guelman

Depois de um longo passeio pela cidade, visitando um antiquário, quando apreciei um belo quadro de Cézanne, invadindo a orla oceânica, onde me debrucei na amurada da praia para seguir o retorno das ondas do mar que se despejavam na areia, uma visita a uma loja de flores naturais, um descanso merecido num pequeno café em que passei algumas horas, bebendo e beliscando alguns petiscos, cortando ruelas bem estreitas onde crianças brincavam e quase impediam a minha passagem, resolvi que era hora de voltar ao apartamento de meus primos, Raquel e Lucas, certa de que já teriam retornado do escritório de arquitetura, onde passavam a maior parte do seu tempo, envolvidos com projetos que lhes aguçavam a criatividade.
Era meu último dia de uma semana inesquecível, em que aproveitei verdadeiramente todo o meu tempo com passeios, visitas e grandes descobertas que me fizeram refletir sobre a beleza oculta das coisas que vamos, de pouquinho em pouquinho, encontrando. E isso se torna mais importante quando estamos preparados emocionalmente, impregnados por um misto de sensação e surpresa para receber e perceber esse  sentido das coisas com as quais nos deparamos, de repente. É como se buscássemos no interior delas o cerne, a essência do que é e vem a ser,  no impacto da visão.
A visita aos primos não foi de surpresa, de uma hora para outra, não, foi muito bem planejada. Achei que estava na hora de lhes fazer uma visita já que recebera, tantas vezes, seu convite. Quando surgiram minhas férias, reservei uma semana para eles, que me receberam, pude verificar, com a maior alegria, cumulando-me com  atenções infinitas. Também procurei, de minha parte,  demonstrar-lhes toda minha satisfação em vê-los.
Logo que cheguei no edifício, o elevador parecia esperar-me e me conduziu ao sexto  andar. Carregava algumas lembranças que conseguira comprar no antiquário, que,  bem embaladas para viagem, não me dariam trabalho, pois bastaria colocá-las na mala e pronto. Ia tirar da bolsa a chave que deixaram comigo, quando percebi que a porta estava meio aberta. E foi aí que me lembrei do comentário de Raquel sobre não haver nenhum perigo em deixar a porta aberta. Já faziam isso há anos. Era um fato natural. A portaria do edifício funcionava vinte e quatro horas, sempre com um porteiro à disposição dos moradores. Ninguém entrava sem identificação. Na certa me esperavam apesar de ter em meu poder uma cópia da chave do apartamento. Entrei pensando encontrá-los na sala. Chamei-os e não responderam e, então, me  adiantei e fui acendendo, uma por uma, as luzes do corredor, da saleta e da sala. Não havia ninguém em casa, um silêncio total. Liguei a televisão e me sentei no sofá. Passado algum tempo, fui ao meu quarto levar as compras e já iniciar a feitura da mala para, no dia seguinte, bem cedo viajar.
Não sei o tempo que levei  na arrumação da mala, ajeitando os presentes, misturando-os com  as roupas para melhor protegê-los, que nem estranhei que meus primos não tivessem chegado ainda. Até bem pouco, ouvia o ruído da televisão, mas, aos poucos, o som desapareceu. Resolvi, então, verificar o que acontecera e notei que o corredor, a saleta e a sala de entrada estavam às escuras e a televisão completamente desligada. Quem os teria desligado? E por que estavam desligados?  Não consegui ver nada. Chamei por Raquel e Lucas e não obtive resposta. Assustada, corri imediatamente para o meu quarto e tranquei a porta. Tive, então, a idéia de telefonar para a portaria e pedir socorro, mas me lembrei que deixara o celular junto à televisão. Nada feito. Não adiantava gritar. Eu estava certa de que, na sala, havia alguém que, não só desligara a televisão, como as três luzes. Não fora uma pane de energia, pois havia luz no meu quarto e no meu banheiro. Apesar de não ouvir nenhum barulho, eu imaginava uma pessoa escondida na sala e isso me dava a noção de um grande perigo, pois não tinha como me comunicar com ninguém. Onde estariam os primos?  À medida que o tempo passava, mais eu me apavorava diante daquela situação. O que fazer? Resolvi, já que estava muito assustada, trancar-me no banheiro. Foi o que fiz, sem pensar mais. Para proteger-me, apaguei a luz e me encostei na parede porque não tinha onde sentar. E  fui ficando, sem posição nenhuma, em pé, encostada na parede até bem tarde da noite, quando o sono, fortemente, me derrubou e sentei-me no chão,  e, ainda encostada na parede, tentava não adormecer. Foi a pior noite da minha vida, o maior incômodo que passei naquele desconforto gélido do banheiro. Durante a noite, visões sinistras me apareciam na escuridão, dançavam ao meu redor .
Minha imaginação, dominada pelo medo, fazia-me ver coisas diversas, sem formas definidas, desestruturadas. E eu  imaginava que, na janelinha alta do banheiro, que dava para o pátio do edifício,  surgiriam mãos gigantescas querendo  me pegar para o festim da sala. O teto, na escuridão, parecia estufar-se, engrandecer, e logo depois minguava, enquanto uma fresta de luz do andar de cima, como um verdadeiro disfarce de uma figura longa e fina,  languidamente,  descia pela janelinha e se perdia no banheiro,  desfazendo o misterioso disfarce, compondo-se com a escuridão.  De repente, algo bateu em mim. Sufoquei um grito. É que, sem querer, esbarrei na cesta de vime de roupa, acho eu.  Quem sabe, eu pensava, meus primos estão mortos lá na sala, ou estão amordaçados e sofrem nas mãos de malfeitores, pois já havia passado tanto tempo, já era noite alta e eles não apareciam, nem vinham me procurar, o que era um péssimo sinal, uma grande indiferença. Não podia admitir que estivessem no apartamento e pudessem agir livremente.
Ouvi passos, poucos passos mais ou menos distantes. Se fossem meus primos, bateriam na porta à minha procura, tentariam me achar de qualquer jeito.  Não me deixariam nesse terrível isolamento. Que vai ser de mim? No momento em que  entrei,  não fechei a porta, imaginando que estavam por vir, quando não os encontrei na sala, ao chegar. Eram tão moços, não mereciam desaparecer desse jeito, trucidados por alguém que conseguiu vencer toda a segurança do prédio e enganar o porteiro. Seria um inimigo, um conhecido ou simplesmente um ladrão qualquer?
Raquel casou-se muito cedo e toda a família comentava que eram muito felizes. Vi-me ao lado da minha prima criança. Tínhamos saído bem cedo de casa para não pegar sol. A lembrança daquela frescura matinal aumentou a minha angústia e eu nem podia respirar para não produzir nenhum ruído que viesse a chamar a atenção. De onde eu me encontrava não dava para saber se estavam ouvindo televisão.
Um dia, para caçoar de mim, Raquel subiu muito alto na árvore e não sabia descer. Precisaram encontrar  alguém que subisse para trazê-la ao chão. Como demorasse o socorro, ela começou a chorar. Foi também sua primeira e ultima tentativa de subir em árvores. Nunca mais repetiu a façanha. As árvores, ela dizia, exerciam um fascínio sobre ela, por isso queria  ir no mais alto, no seu cume, para ser, também, uma árvore.
Com esses pensamentos fervilhantes em minha mente,  eu tentava impedir que o sono caísse sobre mim, impedindo que eu pudesse me defender se algo acontecesse. Procurava esticar, aumentar a noite, como  quem empurra um obstáculo. Mas, sem que eu me desse conta, lentamente,  a noite se tornou robusta, forte e imperiosa, e me abraçou como um polvo, com seus tentáculos, e eu adormeci.
Quando acordei, toda esmagada, com a roupa amassada e retorcida, um verdadeiro trapo, ouvi vozes. Levantei-me rapidamente e, ainda temerosa, abri a porta do banheiro e, já no meu quarto, tornei a ouvir vozes mais fortes. Fiquei tranquila, pois eram vozes conhecidas, eram as vozes de meus primos, Raquel e Lucas. E, num ímpeto intencional, como uma rajada, abri a porta do meu quarto e me deparei com eles, sorridentes e tranquilos, que me interpelaram carinhosamente:
- Como você dormiu, hein? Chegamos um pouco tarde e, como vimos sua porta fechada, imaginamos que estivesse dormindo. Não a incomodamos.
- Não aconteceu nada aqui? A porta aberta...
- Ah, sim, aconteceu um pequeno problema com o disjuntor da caixa de luz que controla a luz da sala, do corredor e da saleta da televisão. Quando nós chegamos estava tudo às escuras. Notamos que havia luz no seu quarto. Providenciamos logo o reparo. Com a peça nova, agora está funcionando muito bem. Mas isso, espero, não lhe causou problema, não? Você já devia estar dormindo quando ocorreu o apagão.
Eu não sabia o que dizer, ainda assustada com os acontecimentos da noite, quando até cheguei a imaginá-los mortos ou prisioneiros de ladrões. A minha palidez pelo desconforto e a noite mal dormida chamou-lhes a atenção.
- Que aconteceu com você, está tão pálida. Não dormiu bem, na certa. Venha tomar um bom café. Que pena que você vai nos deixar hoje, como eu lamento, prima, sua partida.
Realmente, um bom café me faria muito bem, era disso que eu estava precisando para tentar refazer as minhas forças, sentindo ainda   meu corpo dolorido. E foi o que fiz, tomei um café e tanto, com biscoitos amanteigados. Que  manhã deliciosa eu começava a experimentar, já agora livre do susto por que passara e tudo por causa de uma visão errada das coisas, da minha confusão e do meu temor diante de nada, pois nada aconteceu, tudo foi um terrível engano de minha parte. Se eu lhes contasse o que vivera, imaginando uma invasão, tentando vencer uma noite de horror, presa num banheiro frio,  quando lá fora não acontecia nada, na certa ficariam preocupados com a minha mente fantasiosa. Fiquei em silêncio e não lhes contei nada,  aceitando  que tudo não passara de uma situação imaginada por mim, sem fundamento.
Eu me perguntava, então, como é que pude imaginar, com tantos detalhes, uma invasão noturna, em que tive de me refugiar para não ser atacada. Minha mente criou uma ambiência de terror. Na verdade, o inimigo que eu temia estava dentro de mim, era eu mesma, era minha mente, minhas sensações que me arrastavam para um perigo inexistente. Eu tentava, em vão, desvencilhar-me de mim mesma, foi uma experiência terrível. Ainda bem que ninguém ficou sabendo de nada. Nenhum vestígio, nada para comprometer-me. Assim, Raquel e Lucas poderão sentir saudades de mim, desejar que eu retorne outras vezes, sem lhes causar desassossego e preocupação.
Em minha casa, finalmente! Comecei a dar um jeito nas coisas que deixara por ocasião da viagem.  Eu me sentia ainda mal pelo que me acontecera, teria de tomar cuidado com as fantasias  mentais.  Meus primos viviam tão tranquilos naquele apartamento e eu, com as minhas idéias, ameacei mostrar-lhes um ambiente que lhes roubaria a paz. Sim, como é que uma pessoa, de repente, se sente ameaçada porque a luz apagou? Por que não pensei, a luz apagou porque deve ter  acontecido alguma coisa com ela. Simples. Meu raciocínio preferiu  enveredar pelo sinistro diante da escuridão  e gerou toda aquela confusão, que ainda  me aborrece muito. Preciso reencontrar minha tranquilidade perdida.
Ainda não fazia um mês do meu retorno quando recebi uma carta de Raquel. Na carta, ela me contava que viveram, ela e Lucas,  uma situação terrível e angustiosa numa noite em que, tendo deixado a porta entreaberta, chegaram tarde.  As luzes, de repente, se apagaram e eles se sentiram amordaçados e jogados ao chão por dois indivíduos encapuzados. Foram obrigados a revelar o segredo do cofre, de onde levaram jóias, dinheiro e documentos. Descobriram ainda peças artísticas e quadros. Eles só não sofreram mais porque não ofereceram resistência. Quem os assaltou conhecia o problema da luz e da porta aberta. Infelizmente, não conseguiram identificar os assaltantes, que se foram bem tarde da noite, na hora em que os porteiros são substituídos  e há, sempre, uma confusão de entrada e saída. Permaneceram amarrados e amordaçados até o dia seguinte, quando a empregada Odete chegou para o serviço do dia e os encontrou. Desgostosos, mudaram de local e, hoje, não deixam mais a porta aberta, mas muito bem fechada. Acabou-se o mundo mágico por causa da crueldade dos homens.