domingo, 22 de dezembro de 2013

Marcel Proust - À Sombra das Raparigas em Flor - 22 de dezembro de 2013 às 17:42 O AQUÁRIO DO GRANDE HOTEL DE BALBEC Elsa Caravana Guelman Marcel Proust, segundo André Alain Morello, responsável pelas Notas constantes do livro À Sombra das Raparigas em Flor, num “bathyscaphe”, convida seus leitores para um mergulho profundo nas águas para explorar o mundo submarino, tal qual o capitão Nemo no Nautilus. O autor observa atentamente uma noite em que as fontes de luz iluminavam a grande sala de jantar do hotel. Comparou o que seus olhos captaram a um imenso aquário, vendo-se pela parede de vidro a população operária de Balbec, os pescadores e pequenos burgueses, que se comprimiam, invisíveis, para observar a vida luxuosa da aristocracia, tão maravilhosa para as pessoas mais humildes como eram os estranhos peixes e moluscos. Há, então, uma grande questão social exigindo resposta: será que a parede de vidro poderá proteger para sempre o festim daquelas feras extravagantes? Será que um dia as pessoas obscuras que observam tal espetáculo não virão capturá-las em seu aquário para devorá-las? Enquanto isso não acontece, quem sabe se no meio daquela multidão paralisada e surpresa haveria algum escritor, algum amante da ictiologia humana que, ao observar as mandíbulas de velhos monstros femininos se fecharem após engolirem o alimento, tentasse classificá-los pela raça, pelos caracteres inatos e adquiridos , graças aos quais uma velha dama sérvia, “cujo apêndice bucal é o de um grande peixe marinho”, pois desde a infância vive nas águas doces do Faubourg Saint-Germain, come sua salada como uma La Rochefoucauld . Acontece que esse escritor, esse amante da ictiologia humana, interessado na parte da zoologia que cuida dos peixes, existe, sim, é Marcel Proust, que se sente distante do festim aristocrático do Grande Hotel de Balbec. E é, como crítico daquela sociedade sem escrúpulos, valores morais e artísticos, que ele penetra no bathyscaphe e , numa “descente”, vai às profundezas das águas para explorar os abissais da alma e do comportamento humano e estudá-los no ambiente dos peixes, comparando-os às extravagantes espécies marinhas. E como são ricas e simbólicas as suas reflexões, traduzidas em metáforas revolvidas nos escombros do seu inconsciente mais recôndito! Elas parecem atravessar os séculos nas profundidades oceânicas para, finalmente, emergir em verdades insofismáveis, transformadas em signos e mitos, deixando o autor completamente isolado dos aristocratas do Faubourg Saint-Germain, dos burgueses e dos outros em geral para os tempos vindouros, numa redoma impenetrável, como a redoma da Arte com destino à posteridade. Eis o trecho de Marcel Proust: "...E à noite não jantavam no hotel, onde os focos elétricos, jorrando luz no grande refeitório, transformavam-no em um imenso e maravilhoso aquário, diante de cuja parede de vidro a população operária de Balbec, os pescadores e também as famílias de pequenos burgueses, invisíveis na sombra, se comprimiam contra o vidro para olhar, lentamente embalada em remoinhos de ouro, a vida luxuosa daquela gente, tão extraordinária para os pobres como a de peixes e moluscos estranhos: ( uma grande questão social, saber se a parede de vidro protegerá sempre o festim dos animais maravilhosos e se a gente obscura que olha àvidamente de dentro da noite não virá colhê-los em seu aquário e devorá-los). No entanto, em meio daquela multidão suspensa e atônita no negror da noite, talvez houvesse algum escritor ou estudioso da ictiologia humana, que ao ver como se fechavam as mandíbulas dos velhos monstros femininos para engolir algum pedaço de alimento, talvez se entretivesse em classificar tais monstros pelas suas raças, pelos caracteres inatos e também por esses caracteres adquiridos, graças aos quais uma velha dama sérvia, cujo apêndice bucal é o de um grande peixe marinho, comendo salada como uma La Rochefoucauld, pois desde a infância vive na água doce do faubourg Saint-Germain.” (...) “Et le soir ils ne dînaient pas à l’hôtel ou, les sources électriques faisant sourdre à flots la lumière dans la grande salle à manger, celle-ci devenait comme un immense et merveilleux aquarium devant la paroi de verre duquel la population ouvrière de Balbec, les pêcheurs et aussi les familles petits bourgeois, invisibles dans l’ombre, s’écrasaient au vitrage pour apercevoir, lentement balance dans des ramous d’or, la vie luxueuse de ces gens, aussi extraordinaire pour les pauvres que celle de possons et de mollusques étranges ( une grande question sociale, de savoir si la paroi de verre protégera toujours le festin des bêtes merveilleuses et si les gens obscurs qui regardent avidement dans la nuit ne viendront pas les cueillir dans leur aquarium et les manger). En attendant peut-être parmi la foule arrêtée et confundue dans la nuit, y avait-il quelque écrivain , quelque amateur d’ichtyologie humaine, qui regardant les mâchoires de vieux monsters féminins se refermer sur un morceau de nourriture engloutie, se complaisant à classer ceux-ci par race, par caractères innés et aussi par ces caracteres acquis qui font qu’une vieille dame serbe dont l’appendice bucal est d’un grand poisson de mer, parce que depuis son enfance elle vit dans les eaux douces du faubourg Saint-Germain, mange la salade comme une La Rochefoucauld". Antes desse espetáculo noturno, o autor relata uma situação bem desagradável que teve de enfrentar na sala de almoço do hotel, mostrando o comportamento negativo de um hóspede, que o fez levantar-se, sem desculpas, da mesa que lhe fora indicada, por engano, interrompendo-lhe a refeição, pois havia uma reserva no nome dele, pedindo em voz alta ao mordomo que cuidasse para que semelhante erro não se repetisse por ser bastante desagradável que “gente que ele não conhecia” tomasse conta de sua mesa, o que constituiria, para ele, um verdadeiro insulto. Fotos: Google.