De Elsa
Caravana Guelman
As passagens parisienses que podem ser definidas como expoentes do
capitalismo e da especulação, nascidas no século XVIII nos jardins do Palais
Royal, conheceram sua idade de ouro no século XIX, seu verdadeiro ápice, embelezadas pelo ferro e
o vidro, que eram conquistas da época, em meio ao luxo e à ostentação. Descobertas
pelos especuladores, os introdutores das “boutiques”, as passagens proliferaram intensa e rapidamente,
impulsionadas por um comércio intenso que visava a um lucro significativo, pois
elas representavam ganhos potenciais
para seus promotores, fossem burgueses ou aristocratas. Passaram a representar,
também, local de passeios, encontros, recebendo por dia uma infinidade de
pessoas de todos os tipos , onde
ocorreu também o surgimento de novas
livrarias, editores e gravadores, como o editor de Baudelaire na Passage des
Princes, o editor de Verlaine, Lemerre, na Passage Choiseul e o gravador Sterne
,que reproduziu etapas importantes da vida de chefes de Estado como Lenin,
Stalin e de Gaulle, na Passage des Panoramas. E, assim, as passagens refletiram, alem do
consumismo avassalador, a vida social, política e cultural da cidade.
Finalmente, foram elas que inspiraram a criação de uma das mais
importantes obras da atualidade: “PASSAGES”, de Walter Benjamin..
Walter Benjamin, filósofo alemão, interessou-se pelo fenômeno das
“passagens parisienses” em seu apogeu. Vivia em Paris e, ao conhecer as
minúcias da cidade, deparou-se com as passagens. Apreciava as galerias de
estrutura metálica, cobertas por tetos
de vidro e iluminadas a gás, construídas entre 1790 a 1860. Soube muito bem observar as lojas que cresciam assustadoramente e as pessoas
que as procuravam em busca das novidades. As mulheres ficavam fascinadas diante
das vitrines, muito bem enfeitadas, arrumadas e preparadas para atingir o âmago
feminino, personalizado nos modelos expostos.
Tudo parecia um sonho, um verdadeiro delírio. No princípio, algumas
pessoas diante dos atrativos, depois pequenos grupos de interesses variados, quando
irrompeu, finalmente, uma multidão não só para contemplar mas disposta a
impulsionar a descoberta da indústria têxtil que lançava no mundo uma variedade
imensa de tecidos em qualidade e cores, que logo se transformavam em vestidos,
blusas,saias e echarpes, desencadeando um novo significado na evolução da moda
até então vivida de maneira pacífica, tornando-a eletrizante. E, enquanto as lojas cresciam, as mercadorias
aumentavam , os clientes tinham o que comprar, os proprietários enriqueciam, a
sociedade se expandia na complexidade daquele novo estilo de vida. .
Verificou-se, então, um dinâmico impulso social, semelhante a uma febre
contagiante e indomável, causada por tanta ansiedade, impossível mesmo de ser detida, lembrando um dique que
se rompe e não consegue mais controlar o volume das águas que, livres, carregam
tudo o que encontram pelo caminho. A mercadoria exposta cumpria,
facilmente, sua função, a de chamar as pessoas que passavam e que não lhe
conseguiam ficar indiferentes. Karl Marx, inspirando-se na parábola bíblica da
adoração do bezerro de ouro, da época de Moisés, denominou esse fenômeno social e psicológico,
onde as mercadorias pareciam carregar uma vontade própria e misteriosa, de Fetichismo da Mercadoria.
Walter Benjamin encontrou Paris
vivendo a euforia dessa explosão capitalista. E foi o fenômeno social
desencadeante da explosão capitalista que o convenceu a escrever sobre as passagens
de Paris. Imediatamente assumiu esse projeto muito confiante, comunicando-o a
seus amigos, Adorno e Gershom Scholem.
Segundo Leandro Konder, Walter Benjamin “achou que valia a pena escrever
todo um livro a respeito do universo espiritual que se expressava nessas
galerias, um estudo que contribuiria decisivamente para uma compreensão
aprofundada não só na história da França, mas da história de toda a Europa no
século XIX” A idéia de escrever sobre as Passagens também se fortaleceu ao ler O camponês de Paris, de Aragon e
traduziu para o alemão outra obra, na qual Aragon descrevia a Passagem da Ópera, que fora demolida em
1924 para o alargamento de uma avenida.
As passagens parisienses sofreram grandes transformações no decorrer dos
anos, chegando a um declínio pelo abandono, incêndios e por se tornarem alvos
das demolições em benefício do progresso. Com o surgimento dos magazines e o
advento do automóvel, elas se isolaram mais e algumas foram esquecidas por não
representarem mais o papel que lhes coube no passado. Até que o interesse de reviver o passado –
artístico e histórico -- da cidade buscou, entre as grandes manifestações culturais, as
passagens adormecidas, despojadas de suas aureolas de beleza e elegância, mas
que possuíam intactas, além dos mistérios, os vestígios de um século
esplendoroso, dando início a um movimento de renovação. É certo que está
havendo grande interesse pelas passagens parisienses e cada vez mais se tenta reviver
esses lugares misteriosos que representam, ainda, imagens do passado de Paris.
Assim, as passagens são visitadas por um grande público que tanto pode
encontrar o luxo de algumas grifes como o
fator artístico e cultural, nos livros, nas obras de arte, antiguidades, selos
e gravuras importantes. E pode-se, agora, separar o fenômeno artístico e estético que
existe nas passagens da busca das grifes de moda que em muitas delas ainda
existem.
Predominam as passagens
Panoramas, des Princes, Choiseul e as galerias Véro-Dodat, Vivienne e
Colbert, que estão hoje na linha da vida moderna com o que há de mais expressivo para representar a vida cultural e social de Paris.
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