domingo, 6 de julho de 2014

PASSAGENS PARISIENSES

De Elsa Caravana Guelman


As passagens parisienses que podem ser definidas como expoentes do capitalismo e da especulação, nascidas no século XVIII nos jardins do Palais Royal,    conheceram sua idade de ouro no século XIX,  seu verdadeiro ápice, embelezadas pelo ferro e o vidro, que eram conquistas da época, em meio ao luxo e à ostentação. Descobertas pelos especuladores, os introdutores das “boutiques”, as  passagens proliferaram intensa e rapidamente, impulsionadas por um comércio intenso que visava a um lucro significativo, pois elas representavam  ganhos potenciais para seus promotores, fossem burgueses ou aristocratas. Passaram a representar, também, local de passeios, encontros, recebendo por dia uma infinidade de pessoas de todos os tipos ,  onde ocorreu  também o surgimento de novas livrarias, editores e gravadores, como o editor de Baudelaire na Passage des Princes, o editor de Verlaine, Lemerre, na Passage Choiseul e o gravador Sterne ,que reproduziu etapas importantes da vida de chefes de Estado como Lenin, Stalin  e de Gaulle,  na Passage des Panoramas.  E, assim, as passagens refletiram, alem do consumismo avassalador, a vida social, política e cultural da cidade.
Finalmente, foram elas que inspiraram a criação de uma das mais importantes obras da atualidade: “PASSAGES”, de Walter Benjamin..
Walter Benjamin, filósofo alemão, interessou-se pelo fenômeno das “passagens parisienses” em seu apogeu. Vivia em Paris e, ao conhecer as minúcias da cidade, deparou-se com as passagens. Apreciava as galerias de estrutura metálica,  cobertas por tetos de vidro e iluminadas a gás, construídas entre 1790 a 1860. Soube muito bem  observar as lojas  que cresciam assustadoramente e as pessoas que as procuravam em busca das novidades. As mulheres ficavam fascinadas diante das vitrines, muito bem enfeitadas, arrumadas e preparadas para atingir o âmago feminino, personalizado nos modelos expostos.
Tudo parecia um sonho, um verdadeiro delírio. No princípio, algumas pessoas diante dos atrativos, depois pequenos grupos de interesses variados, quando irrompeu, finalmente, uma multidão não só para contemplar mas disposta a impulsionar a descoberta da indústria têxtil que lançava no mundo uma variedade imensa de tecidos em qualidade e cores, que  logo se transformavam em vestidos, blusas,saias e echarpes, desencadeando um novo significado na evolução da moda até então vivida de maneira pacífica, tornando-a eletrizante.   E,  enquanto as lojas cresciam, as mercadorias aumentavam , os clientes tinham o que comprar, os proprietários enriqueciam, a sociedade se expandia na complexidade daquele novo estilo de vida. . Verificou-se, então, um dinâmico impulso social, semelhante a uma febre contagiante e indomável, causada por tanta ansiedade, impossível  mesmo de ser detida, lembrando um dique que se rompe e não consegue mais controlar o volume das águas que, livres, carregam tudo o que encontram pelo caminho.                      A mercadoria exposta cumpria, facilmente,  sua função, a de  chamar as pessoas que passavam e que não lhe conseguiam ficar indiferentes. Karl Marx, inspirando-se na parábola bíblica da adoração do bezerro de ouro, da época de Moisés,  denominou esse fenômeno social e psicológico, onde as mercadorias pareciam carregar uma vontade própria e misteriosa, de Fetichismo da Mercadoria.
Walter Benjamin encontrou  Paris  vivendo a euforia dessa explosão capitalista. E foi o fenômeno social desencadeante da explosão capitalista    que o convenceu a escrever sobre as passagens de Paris. Imediatamente assumiu esse projeto muito confiante, comunicando-o a seus amigos, Adorno e  Gershom Scholem.
Segundo Leandro Konder, Walter Benjamin “achou que valia a pena escrever todo um livro a respeito do universo espiritual que se expressava nessas galerias, um estudo que contribuiria decisivamente para uma compreensão aprofundada não só na história da França, mas da história de toda a Europa no século XIX” A idéia de escrever sobre as Passagens também se fortaleceu ao ler O camponês de Paris, de Aragon e traduziu para o alemão outra obra, na qual Aragon descrevia a Passagem da Ópera, que fora demolida em 1924 para o alargamento de uma avenida.

As passagens parisienses sofreram grandes transformações no decorrer dos anos, chegando a um declínio pelo abandono, incêndios e por se tornarem alvos das demolições em benefício do progresso. Com o surgimento dos magazines e o advento do automóvel, elas se isolaram mais e algumas foram esquecidas por não representarem mais o papel que lhes coube no passado.  Até que o interesse de reviver o passado – artístico e histórico -- da cidade buscou,  entre as grandes manifestações culturais, as passagens adormecidas, despojadas de suas aureolas de beleza e elegância, mas que possuíam intactas, além dos mistérios, os vestígios de um século esplendoroso, dando início a um movimento de renovação. É certo que está havendo grande interesse pelas passagens parisienses e cada vez mais se tenta reviver esses lugares misteriosos que representam, ainda, imagens do passado de Paris. Assim, as passagens são visitadas por um grande público que tanto pode encontrar  o luxo de algumas grifes como o fator artístico e cultural, nos livros, nas obras de arte, antiguidades, selos e gravuras importantes. E pode-se, agora,  separar o fenômeno artístico e estético que existe nas passagens da busca das grifes de moda que em muitas delas ainda existem.
Predominam as passagens  Panoramas, des Princes, Choiseul e as galerias Véro-Dodat, Vivienne e Colbert, que estão hoje na linha da vida moderna  com o que há de mais expressivo  para representar  a vida cultural e social de Paris.



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