sábado, 14 de janeiro de 2012


Uma viagem ao mundo dos Panoramas

por Elsa Caravana Guelman, domingo, 15 de Janeiro de 2012 às 00:43
Panorama de Innsbruck

O mundo dos PANORAMAS



Elsa  Caravana Guelman


Quem visitar o Tirol e sua capital Innsbruck não poderá deixar de conhecer o Rienserundgemalde, local em que se encontra uma pintura circular gigante, conhecida como Panorama, focalizando, em círculo, cenas importantes e decisivas sobre 3ª batalha pela libertação do Tirol, em poder da França e Baviera, no monte Bergisel, ao sul de Innsbruck, em 1809.
O que vem a ser um Panorama no seu sentido histórico ?
Panorama, que é uma palavra de origem grega, quer significar “vista da totalidade”, vista geral, completa. Trata-se, pois, de “vasto quadro circular colocado em torno de uma rotunda de modo que o espectador veja os objetos representados como si, colocado sobre uma altura, ele descobrisse todo o horizonte circundante”.( Larousse).
A primeira rotunda, construção circular terminada em cúpula, foi realizada por Robert Baker, em 1792, em Leicester, Londres. Sua apresentação causou um imenso impacto e, desde então, o invento foi levado para outros pontos da Europa.
Em Paris, o centro cultural europeu do século XIX, por iniciativa de um americano James Thayer, teve, em 1799, as duas rotundas construídas sobre o Boulevard Montmartre, com 17 m de diâmetro e 7 metros de altura. Possuíam um teto cônico para melhor captar a luz do dia.
Entretanto, para se fazer uma visita satisfatória, era necessário que o céu estivesse claro. Nos dias sombrios, o Panorama não era aberto à visitação. A luz era, pois, imprescindível para exibição dos Panoramas, embora o espectador devesse permanecer, o tempo todo, em penumbra para melhor captação dos efeitos da luz solar. 
Para atingir o recinto da exibição do Panorama, o espectador tinha de passar por um verdadeiro ritual, depois de deixar o boulevard e penetrar nos meandros da Passage Panoramas. O importante era que ele perdesse a noção da vida exterior do boulevard e sua claridade e passasse por corredores sombrios até alcançar seu objetivo.
Germain Bapst, num ensaio sobre os Panoramas, explicava como era o funcionamento do Panorama : Le spectateur penetre dans l´édifice en passant sous la section inférieure du cylindre et n´accéde à l´escalier de la plate-forme, qu´en traversant des corridors obscurs et nus, ou son oeil perde momentanément la mémoire des choses du dehors, ou il s´isole, ou il oublie la lumière. De la sorte, en arrivant sur la plate-forme, le spectateur est, si l´on peut parler ainsi, envahi par le spetacle offert à ses regards; son oeil s´en repaîte avidement, il l´y promène avec le plaisir qui accompagne l´accomplissement d´une fonction dont l´exercice nous a été passagérement interdit; et aucun objet juxtapose ne venant lui rappeler qu´il est en presence d´une peinture fallacieuse, il s´abandonne à illusion que l´artiste a cherché à éveiller en lui, et qui l´étreint, d´autant plus puissante et durable que l´execution de la peinture elle-même est plus parfaite et plus savante 
Na verdade, o espectador, colocado numa plataforma central, envolto em penumbra, como já foi dito, descobria, em sua totalidade, uma paisagem, um tema histórico ou uma batalha, que lhe deveriam parecer reais. F. Robichon afirmou que um dos truques dos panoramas ou dioramas é a perspectiva panorâmica que tende a absorver o espectador na cena e não a mantê-lo em posição frontal de “voyeur”. Uma batalha panorâmica compreendia uma imensa fragmentação de episódios, vividos num tempo e num espaço determinado. Era a técnica que informava os fatos e os acontecimentos dando a ilusão de movimento numa totalidade.. Essa situação perdurou até a criação de outros efeitos que redundariam, na sua escala desenvolvimentista, na projeção de um filme, com o cinema, por exemplo, cuja informação expandiria essa mobilidade ilusória num cadenciado movimento.
Na verdade, diante do Panorama, o espectador tinha de se sentir diante de uma paisagem ou batalha como se ela fosse real e não diante de uma reprodução pictórica de um quadro de paisagem ou batalha. Como, então, utilizar o artifício de que ele deveria estar diante da própria natureza e não na frente de uma pintura ? Somente estabelecendo uma ilusão. Em primeiro lugar, seu olhar deveria encontrar as figurações existentes em proporção com os tons nítidos e exatos. Segundo Germain Bapst o espectador se abandonaria na ilusão que o artista procurou despertar nele quando a própria pintura conseguisse sua afirmação como realidade.. O êxito dependeria, portanto, da grandeza, da emoção e da técnica ilusória apurada que o artista usaria em sua pintura para conquistar os visitantes. 
Hoje em dia não se fala mais em telas panorâmicas no seu sentido histórico. Para manter a dimensão de um Panorama num determinado local, e cuidar de sua conservação, tornou-se um problema sério e desgastante, sem falar que as novas técnicas surgidas passaram a interessar mais os espectadores. As rotundas do Bolulevard Montmartre foram destruídas em 1831, permanecendo a Passage Panoramas, que, a essa altura, em função do êxito dos Panoramas, tornara-se um local de franca aceitação não só pelas visitas ilustres que recebia como pelos estabelecimentos variados, no gosto e nos artigos, que apresentava..
Esse fato é que torna ainda mais engrandecedor a visita que fizemos, em Innsbruck, ao Riesenrundgemälde (PANORAMA) que é uma construção circular, obedecendo às técnicas e às particularidades da época em que estas exposições passaram a ser o centro das atenções dos espectadores europeus, vivendo seus dias de glória. 
Seria, pois, uma dupla volta ao passado, o passado das exposições circulares para abrigar pinturas circulares e gigantescas e ao passado histórico com a representação da batalha de Bergisel, de 1809, na montanha de Isel, ao sul de Innsbruck.
O local fica próximo a uma exuberante vegetação, ao lado da estação do Funicular de Innsbruck. que leva os visitantes às montanhas Hungerbur, de 853 m, Seegrube , de 1904 m e Hafelekar de 2.286 m., Subimos as escadas e logo nos encontramos num local apropriado para a visão total da pintura representativa do Tirol. 
Na plataforma, ao centro, tivemos, então, uma visão de 360º da pintura representativa do 3º dia da batalha de Bergisel contra as forças bávaras que lutavam sob a bandeira francesa da época napoleônica.
A guia que nos conduziu ao local foi chamando nossa atenção para a pintura e seus elementos fundamentais. A primeira visão é a cadeia montanhosa do Norte, com seus picos cobertos pela primeira neve do outono com a tímida iluminação do pôr-do-sol. Observamos outra cadeia de montanha, a noroeste, Solstein, Ostentam-se, a seguir, os picos Senhora Hitt e Hafelekar (hoje é uma estação de esqui).
Como num filme, só que temos já todas as cenas projetadas na parede circular, nosso olhar, nossos olhos, nossa vista é quem vai apreender, buscar todos os elementos que estão expostos, circularmente, para lhes dar unidade e compreensão. As cenas desse 3º dia da batalha de Bergisel vão-se descortinando aos nossos olhos ávidos de admiração e surpresa. Avistamos logo a cidade de Innsbruck, esmaecida pelo crepúsculo do outono. Aparecem, então, os prédios e os personagens retratados, como as cúpulas da Catedral, do Palácio Imperial e da Torre Municipal. Logo a seguir, vem o bairro antigo com seu Arco de Triunfo. Surge o monte Bergisel, o bairro de Wilten, sua Basílica rococó, Igreja e Convento.
Nossos olhos continuam percorrendo e percebem o vulto do marechal Lefébvre, do exército de Napoleão, mantendo a 8ª Divisão de Infantaria, aproximando-se do monte Bergisel. Destacamos, à direita, grupos de tiroleses campesinos que surgem de vários vales do Tirol e que, para serem assim reconhecidos, cada qual usa seu traje típico, Da parte leste, avistamos outro grupo de campesinos, que representam as aldeias de Igls, Lans e Tulfes e são comandados por Speckbacher, comandante do Tirol. O pico Bettelwurf aparece ao fundo. Um pôr-do-sol ilumina os picos do Kaisergebirge e Kallerjoch, a cidade de Hall, o vale do Rio Inn.
A pintura leva nossos olhos para o alto e, assim, focalizamos, com o auxílio da luz, cenas que parecem autênticas. A aldeia e o castelo de Ambras aparecem, ao fundo, com a casa senhorial de lemmen ardendo em chamas. Peter Mayir, capitão tirolês reúne o batalhão de campesinos do Eisactal e do Eggental. Aparecem vestidos com casacos amarelos. A figura de um sacerdote, numa colina, é bem visível, ao administrar os últimos sacramentos a um moribundo, em baixo de uma árvore. Há, igualmente, por detrás da casa, alguns prisioneiros da Saxônia.
As cenas são bem realistas e comoventes. A pintura revela rostos de jovens e de velhos, onde são refletidos a valentia e o amor á pátria, mesclados com a crueldade e o pânico da luta sem trégua. Nesse ponto, surge o principal, o herói tirolês, Andréas Hofer, o comandante máximo da batalha. Só que ele aparece muito tranqüilo, como se ignorasse o movimento dilacerante que o cercava. Os monges do convento de Wilten aparecem em frente ao Raffl., um tirolês que vai atraiçoar seu chefe, Andréas Hofer, indicando seu esconderijo aos soldados inimigos. Ao fundo, cresce e se agiganta o monte Serles com a beleza de seus picos. Em direção à direita aparece a luta entre a 4ª companhia da 9ª divisão de infantaria bávara e os campesinos de Eisacktal sob o comando de Haspinger, padre capucho. Captamos, ao final, a oeste o triste entardecer sobre o vale do Inn, tendo ao fundo a montanha Heiterwand.
O Panorama da batalha de Bergisel, da cidade de Innsbruck, ganhou a medalha de Ouro, em Londres, numa exposição mundial, dez anos após sua criação, como sendo uma das maiores e mais belas pinturas do mundo, como afiançam os prospectos que são distribuídos aos visitantes do Reisenrundgemälde.


Esta foto representa o edifício circular que abriga, em seu interior, seguindo o modelo imersivo, de visão total, criado por Robert Baker.,em 1787, o Panorama ( Riesenrundgemäldes) com as representações dos fatos sucessivos, ocorridos em Bergisel , em 1809.

A realização dessa obra gigantesca, que mostraria em seu interior a famosa batalha sobre o monte Bergisel, no dia 13 de agosto de 1809, contou com a participação do arquiteto Niederhofer de Munique , do escritor Plattner e do investigador histórico Maretich.. A tela circular de 1000m²,com 10m de altura, foi ´pintada em 1886 por Zeno Diemer, um pintor da Baviera, que era experiente em pinturas circulares, no que foi auxiliado por outros pintores como Franz Burger, Pflauder, Niedermeier e Ptzold.
Atualmente, a montanha Isel ( Bergisel), é um dos lugares mais visitados da cidade, em razão do sucesso internacional que logrou com os Jogos Olímpicos de 1964, 1976 e trampolim Olímpico para saltos de esqui e porque teve esse fato histórico como cenário das batalhas da guerra pela libertação do Tirol. 
Os compêndios de História registram que, com a vitória de Napoleão Bonaparte, em Austerlizt, em 12 de dezembro 1805, a Áustria foi totalmente vencida. Pelo Tratado de Prestbourg, então, em 1805, o Tirol foi entregue à Baviera. Como a Baviera ficaria sob a proteção napoleônica, de 1805 a 1813, Bonaparte estabeleceu o domínio francês e bávaro sobre o Tirol. Em conseqüência disso, houve uma violenta reação da população, pois não só estava em jogo o patriotismo dos tiroleses como, também, as restrições que foram impostas às suas convicções ultra-religiosas. Em 1807, Andréas Hoffer, líder tirolês, liderou uma revolta de cunho profundamente religioso, contra as novas forças de ocupação, infringindo derrotas ao exército inimigo, apesar de a Áustria, num novo tratado de paz com a França, em 14 de outubro de 1809, ter pedido aos tiroleses que se mantivessem distante de qualquer luta, pois seus direitos continuariam a ser respeitados pelo tratado. A vitória do exército de Napoleão se deu na 4ª batalha, em Bergisel, esmagando os ideais libertários dos tiroleses, que, a essa altura, embora lutassem bravamente, estavam em minoria e dispersos por terem se iludido com falsas promessas de paz. O líder foi morto pelo grupo dominante e, mais tarde, consagrado como herói nacional do Tirol, sendo reverenciado até os dias atuais.
Graças a Metternich, príncipe austríaco, em sua participação no Congresso de Viena, que durou de 18/9/1814 a 9/6/1815, a Áustria assumiu o primeiro plano na organização da Europa, recuperando seus antigos territórios.
Com o Tratado de Paris, em 1814, o Tirol foi reunificado e entregue integralmente à Áustria.
Metternich era um aristocrata refinado e, por isso mesmo, levou para o Congresso de Viena Franz Sacher, seu chef pâtissier, que brindou a todos com a criação de uma torta de chocolate, recheada com creme de damasco, hoje, mundialmente, conhecida como Sachertorte.

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